(Edmar Oliveira)
Mário de Andrade |
Na semana passada um frenesi tomou conta do meio intelectual
curioso brasileiro. Por força da justiça, seria revelada, de próprio punho, a homossexualidade
de Mario de Andrade. Uma carta dirigida a Manuel Bandeira seria revelada na
íntegra. Bandeira quando publicou a correspondência entre os dois, censurou os
tópicos que seriam, agora, tornados públicos.
O poeta será o homenageado da FLIP este ano. Também
romancista, ensaísta, crítico literário, musicólogo e folclorista, foi um dos
nossos grandes escritores, também um dos responsáveis pela Semana de 22 que
promove o Modernismo no Brasil. Talvez seu feito mais notável tenha sido suas
viagens ao norte e nordeste, tendo sido um descobridor da cultura nativa de sua
terra. De sua primeira viagem ao norte em 1927 nasceu Macunaíma, o maior
representante da raça, o nosso herói sem caráter. Da segunda viagem ao nordeste
descobre o coco, esse irreverente ritmo de emboladas e improvisos; o candomblé e
o nosso caboco Jurema (mistura de rituais indígenas e africanos) como manifestações
fora-da-lei para as autoridades da época. Em 1938, trabalhando para o
Departamento Cultural de São Paulo, organiza uma expedição para o registro das
danças e cantigas do folclore, que considerava que iriam acabar, “agora que o
Brasil principia”. Mário achava que o Movimento Modernista tinha que entender
as manifestações culturais desse grande país. São Paulo iluminado pela cultura
europeia enviesava o movimento cultural do qual tinha participado.
O Caderno Prosa & Verso do Globo traz uma edição
especial em que refaz parte da viagem daquela expedição de 1938 e encontra com
representantes dos movimentos documentados. Vale a pena um exame no link http://oglobo.globo.com/cultura/livros/missao-mario-de-andrade-uma-viagem-pela-cultura-popular-inspirada-nas-pesquisas-do-escritor-16495442.
Quando a revelação esperada, um trecho da carta secreta
dialoga com o leitor e com sua curiosidade. Mário não está falando apenas para
o destinatário da carta, mas para todos os leitores curiosos: “Mas em que podia ajuntar em grandeza ou
melhoria para nós ambos, pra você, ou para mim, comentarmos ou eu elucidar você
sobre minha tão falada (pelos outros) homossexualidade? Em nada”. Descobrir que o desafeto “X”
na correspondência era o Oswald de Andrade, todo mundo já sabia e a revelação não
traz nenhuma surpresa. Surpresa talvez seja a descoberta da Europa por Oswald e
a descoberta do Brasil pelo Mário. Os dois são brilhantes no que fizeram,
apesar de desafetos.
Lembro-me de um biografo de Torquato Neto me perguntando sobre
a homossexualidade do poeta, com a determinação de quem precisa de uma prova
para sua tese. Disse-lhe que não me ocupava com a vida privada de ninguém.
Certo que os homens públicos devem nas suas biografias algumas respostas. Mas
em que a sexualidade seria tão importante para ser provada? Publiquem-se os
rumores como rumores que são. “Mas em
podia ajuntar em grandeza ou melhoria” etc. etc. como diz o poeta Mário na
carta? Quando li a “biografia” do poeta não reconheci o meu amigo nas suas
páginas. Melhor ficar com minhas lembranças. Certamente são os atributos
culturais e artísticos do biografado o que mais interessa ao leitor. Quando se
desvia o caminho para a vida privada, no caso de Torquato até para chegar a uma
figura famosa, na intenção de promover o produto, aí o defeito é do biógrafo.
2 comentários:
Que bom que o Piauinauta voltou, estava fazendo falta. Quanto ao texto sobre o Mario de Andrade, tinha lido esses dias, faço minhas as suas palavras, acrescentando um comentário até vulgar, mas fazer o quê, é o que me vem, tamanha a irritação; um cara genial, com uma obra que só com Macunaíma, já não precisava fazer mais nada, já acrescentou muito. Na minha adolescência foi impactante e ainda hoje é, tão moderno e à frente esse homem conseguiu ser, o nós aqui preocupados com quantos buracos ele deu, sinceramente...
Lelê
Feliz retorno, amigo!
Com um tiro certeiro como o seu, fico a imaginar o que estão conjeturando os beócios que ignoram a obra e se fixam no autor. Devem está cuidando do ferimento grave no coração, espero. Que pasmaceira! Publique mais!
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