Desenho: Netto de Deus |
MEIO SÉCULO DE CHAPADA
Por temperamento e preguiça, sou
cristão pouco afeito a efemérides . Como
diria o Poeta, “Meu tempo é quando”. Ainda assim, há poucos dias, dona Áurea,
sempre discreta e sutil, afirmou: “Faz 50 anos que Vossa Mercê faz reinações
nesta Chapada”. Por pouco, não me engasguei com o café que sorvia. Meio século
é quase uma eternidade numa terra onde tudo é transitório. De pronto, as
lembranças me transportaram à esplendente manhã do dia 2 de maio de 1965 quando me despejaram na Praça
Saraiva. A mala de couro, o saco com a
rede, uma carta de recomendação, que de
nada me valeu, e a ordem de dona Purcina
ecoando no juízo: “Não me volte aqui antes de se virar doutô!”. Como ninguém me
esperava na cidade, pervaguei pela praça como um sonâmbulo, até que uma moça
“prestativa” me levou a uma pensão ordinária na Rua Paissandu. Eu tinha 17 anos
(incompletos), o curso ginasial, vinte
cruzeiros no bolso e muito medo...
Em 66, eu já estava publicando
crônicas ordinárias no jornal mural do Liceu. Uma delas, sobre um guarda de
trânsito, fez tanto sucesso que cheguei a pensar que me tornaria escritor. Em
67, com a colaboração do Chico Viana, escrevi um conto – O Triste fim de Chico
Facão – que me rendeu um prêmio de dez cruzeiros. Comecei a pensar alto. Em 68,
José Carlos de Santana Cruz, Anchieta Cortez, Bené,
Antônio Araújo , Alcione e eu fundamos o grupo musical MUPI 5 que,às vezes, nos
rendia um lanche nas recepções onde
cantávamos. Em 69, fundei o Teatro Popular do Piauí, de vida efêmera e errática
trajetória. Em 70, ingressei na Faculdade de Direito do Piauí e no magistério.
O magistério me salvou: além de me
propiciar o mínimo necessário para sobreviver dignamente, deu-me a perseguida
visibilidade, o carinho dos alunos e o respeito dos teresinenses. Convenhamos
que, para um cidadão com o meu perfil, não é pouco. O mais veio por acréscimo.
Por oportuno, vale lembrar que, ao
longo desse tempo, nunca me ausentei de Teresina por mais de uma semana.
Confesso, sem receio de ser taxado de provinciano, que em Timon já me sinto um
tantinho no estrangeiro. Sou um
animal da Chapada do Corisco onde, como diria Bandeira, vivo,padeço e morro todos os dias. Quis o destino que coubesse a
mim, um catingueiro do sertão do
Caracol, a tarefa de escrever a letra do
Hino de Teresina, no ano em que a cidade comemorava o seu 145º aniversário. Por amor à verdade, confesso: em
matéria de hinos, só conheço o do Flamengo, que mais choro do que canto...
Cinquenta anos em constante ebulição.
Fiz tantas coisas que me cansaria só em enumerá-las aqui. A compulsão de fazer
( muito e sempre) deve ter comprometido a
qualidade do que fiz. Não sei, contudo, se poderia ter feito diferente,
considerando as circunstâncias e os meios de que eu dispunha. De qualquer
forma, como bom virginiano, prometo: nos próximos 50 anos, farei tudo com um
pouco mais de cuidado. Assim seja!
Teresina, 2 de maio de 2015
CINÉAS SANTOS
Nenhum comentário:
Postar um comentário