domingo, 28 de junho de 2015

Carta que chegou atrasada


Desenho: Netto de Deus

MEIO SÉCULO DE CHAPADA

Por temperamento e preguiça, sou cristão pouco afeito a  efemérides . Como diria o Poeta, “Meu tempo é quando”.  Ainda assim, há poucos dias, dona Áurea, sempre discreta e sutil, afirmou: “Faz 50 anos que Vossa Mercê faz reinações nesta Chapada”. Por pouco, não me engasguei com o café que sorvia. Meio século é quase uma eternidade numa terra onde tudo é transitório. De pronto, as lembranças me transportaram à esplendente manhã do dia 2  de maio de 1965 quando me despejaram na Praça Saraiva. A mala de couro,  o saco com a rede,  uma carta de recomendação, que de nada me valeu, e  a ordem de dona Purcina ecoando no juízo: “Não me volte aqui antes de se virar doutô!”. Como ninguém me esperava na cidade, pervaguei pela praça como um sonâmbulo, até que uma moça “prestativa” me levou a uma pensão ordinária na Rua Paissandu. Eu tinha 17 anos (incompletos), o curso ginasial,  vinte cruzeiros no bolso e  muito medo...
Em 66, eu já estava publicando crônicas ordinárias no jornal mural do Liceu. Uma delas, sobre um guarda de trânsito, fez tanto sucesso que cheguei a pensar que me tornaria escritor. Em 67, com a colaboração do Chico Viana, escrevi um conto – O Triste fim de Chico Facão – que me rendeu um prêmio de dez cruzeiros. Comecei a pensar alto. Em 68,   José Carlos  de Santana Cruz, Anchieta Cortez, Bené, Antônio Araújo , Alcione e eu fundamos o grupo musical MUPI 5 que,às vezes, nos rendia um lanche nas recepções  onde cantávamos. Em 69, fundei o Teatro Popular do Piauí, de vida efêmera e errática trajetória. Em 70, ingressei na Faculdade de Direito do Piauí e no magistério.
O magistério me salvou: além de me propiciar o mínimo necessário para sobreviver dignamente, deu-me a perseguida visibilidade, o carinho dos alunos e o respeito dos teresinenses. Convenhamos que, para um cidadão com o meu perfil, não é pouco. O mais veio por acréscimo.
Por oportuno, vale lembrar que, ao longo desse tempo, nunca me ausentei de Teresina por mais de uma semana. Confesso, sem receio de ser taxado de provinciano, que em Timon já me sinto um tantinho no estrangeiro. Sou um animal da Chapada do Corisco onde, como diria Bandeira, vivo,padeço e morro todos os dias. Quis o destino que coubesse a mim,  um catingueiro do sertão do Caracol, a tarefa  de escrever a letra do Hino de Teresina, no ano em que a cidade comemorava o seu 145º  aniversário. Por amor à verdade, confesso: em matéria de hinos, só conheço o do Flamengo, que mais choro do que canto...
Cinquenta anos em constante ebulição. Fiz tantas coisas que me cansaria só em enumerá-las aqui. A compulsão de fazer ( muito e  sempre) deve ter comprometido a qualidade do que fiz. Não sei, contudo, se poderia ter feito diferente, considerando as circunstâncias e os meios de que eu dispunha. De qualquer forma, como bom virginiano, prometo: nos próximos 50 anos, farei tudo com um pouco mais de cuidado. Assim seja!
Teresina, 2 de maio de 2015

CINÉAS SANTOS 






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