Título:Traduzir o poema
Autor:
Álvaro Faleiros
Editora:Ateliê editorial
págs.
::Luíz Horácio
Florianópolis
Traduzir
um texto? Mas pra quê? Ao traduzir é certo que um lado perde e outro ganha? Interessa saber o nome de quem
traduziu? Basta saber quem é o autor da obra, o tradutor não passa de
ferramenta? O tradutor cria? O tradutor pode criar?
Traduzir
um poema? Impossivel? Quem sabe!?
Ao
ingressarmos no acidentado terreno da tradução inevitavelmente nos
defrontaremos com os fantasmas citados. Vale ressaltar que todos são pra lá de
antigos, o cheiro de mofo denuncia a aproximação. Todos se abrigam no nefasto
ninho onde se avista de longe, de muito longe o neon: o que é tradução?
Mais
importante que a definição é o fazer, uma tradução, para começar, faz uma
ligação entre duas culturas diferentes. Atenção, apressado leitor, o que você
acabou de ler não é uma definição, mas sem tradução Homero, Shakespeare,
Tolstói teriam menos leitores.
Eugene
Nida em Language structure and translacion,
compara a tarefa do tradutor a um transporte de uma carga
utilizando vagões de trem. O importante
é que a carga chegue intacta ao seu
destino, embora a quantidade de solavancos durante a viagem. Solavancos devido a barreira linguística. Traduzir
implica levar à lingua alvo aqueles componentes relevantes da língua de
partida. Lembrando que o objetivo é apresentar esses elementos significativos
de forma que sejam compreendidos, e mantenham essa relevância, pelo receptor.
Mas
como se deve traduzir? Nesse campo, teorias existem para todos os gostos e
necessidades, no entanto entendo como sempre válidas as recomendações de
Alexander Tytler : 1- a tradução deve reproduzir em sua totalidade a idéia do
original, 2- o estilo da tradução deve seguir o mesmo do original, 3-a tradução
deve manter a fluência e a naturalidade do texto original..
Sim, atento leitor, estou ciente que o
dito há pouco remete a várias questões, entre elas a da equivalência, onde texto de partida e
texto de chegada devem ser equivalentes.
Sem esquecer que os funcionalistas tornaram a equivalência uma simples
possibilidade de um projeto tradutório. Ainda temos a equivalência funcional,
num sentido pragmático, bien
sûr. Mas sigamos, talvez
este não seja o momento ideal para entrarmos nesse mérito. Deixemos essa bomba
nas mãos do editor. Caso ele resova devolvê-la trataremos do desarme em edição
futura.
Dito isso, ingressemos pois, já era
tempo, no objeto desta resenha:A tradução poética.
É voz corrente a dificuldade de traduzir
poesia, muitos consideram tarefa impossível. Coesão e abundância de
significados são dois obstáculos a
impedir a traduzibilidade do poema. É óbvio que essa justificativa está
carregada da idéia de que o poema faz parte do sublime onde a tradução
macularia sua essência.
No entender deste aprendiz, a tradução
poética não habita o reino das obras intocáveis, ela simplesmente exige um tradutor portador de sensibilidade capaz de produzir no leitor em sua linha de chegada
sensações semelhantes as causadas pelo texto original.
O cerne da questão é o seguinte, caro
leitor: é sempre mais fácil se escorar em argumentos que impeçam a ousadia, que
nos eximem do trabalho, do estudo profundo que determinadas tarefas exigem. A
tradução de poesia beira o status de mito. Mas esse jogo não está definido.
Felizmente. A prova é Traduzir
o poema, onde seu autor Álvaro Faleiro, além de tradutor, é
poeta. Um poeta tradutor que contraria Otavio Paz em
Convergências:ensaio sobre arte e
literatura : os poetas tradutores tendem a utilizar
o poema a ser traduzido como fonte inspiradora para criação de um novo poema.
Leiam, para comprovar que Álvaro não se enquadra, Um lance de dados, edição bilíngue
indispensável a quem gosta e estuda a
tradução; e um de seus livros de poesia. Sugiro, gosto pessoal, Meio mundo.
Didático, Álvaro é professor, mas sempre estimulando a curiosidade do leitor,
faz de Traduzir o poema, um livro didático e ao mesmo tempo, por
mais redundante que possa parecer, poético.
Estrutura-se da seguinte forma :
Capítulo 1-”Abordagens da tradução poética”,
“Traduzir o Espaço Gráfico” (Capítulo 2), “Traduzir o Metro” (Capítulo
3), “Traduzir a Rima” (Capítulo 4) e “Traduzir o Verso Livre” (Capítulo 5),
O leitor, embora o jargão acadêmico e as
exigências do tema, não fica sem explicações. Ao final do primeiro capítulo,
Álvaro justifica a escolha por esse tipo
de divisão, de abordagem, e anuncia como tratará os capítulos vindouros.
Traduzir o Poema, é a
ampliação da tese de doutorado(
USP,2003) de Álvaro, esta tem o título
de “Tradução e significância nos Caligramas
de Apollinaire: o espaço gráfico, o metro e a textura
fônica”, orientado por Mário Laranjeira.
Trata-se
de rara publicação onde o leitor encontrará teoria e prática juntas, do início
ao fim dessa obra que sem dúvida engrandece os estudos de tradução, de poesia e
de tradução de poesia. Não, não veja
redundância nessa afirmação ó pouco reflexivo leitor, é importante que se
acentue a abrangência do estudo de Álvaro.
Embora
os acréscimos, a estrutura de Traduzir o poema continua sendo o trabalho
de tradução dos poemas de Apollinaire .
No
Capítulo 1 o leitor encontrará a
apresentação do objeto: a tradução de poesia sob a visão de vários
teóricos, entre os quais; Antoine
Berman, Umberto Eco, Roman Jakobson, Ezra Pound,John Milton e Inês Oseki-Dépré.
O
capitulo 2-“Traduzir o Espaço Gráfico”
aborda o espaço gráfico e os
elementos tipográficos, se não estou enganado ,Álvaro fez algo semelhante em sua tradução de Un coup de dés O autor considera Topografia e tipografia
como partes do poema, sugiro redobrada atenção ao aspecto “espaços em branco” .
Aqui peço sua licença,atento leitor,
para me repetir.O aspecto “espaços em branco”também é magistralmente abordado
na tradução da obra de Mallarmé acima citada.
no
Capítulo 3, “Traduzir o Metro”, Traduzir
o Poema, o autor estabelece várias comparações. Analisa didaticamente os sistemas de contagem silábica do francês e
do português, para tanto utiliza farta
bibliografia de referência. Outro momento de extrema importância aos leitores
de poesia diz respeito a análise do
octossílabo francês, suas relações com
o heptassílabo em português.
Em
“Traduzir a Rima”, capítulo 4 , o autor
aborda a genealogia desse aspecto. Aponta a enorme distância do francês em
relação ao português, cita a tradução de Mallarmé feita por Augusto de Campos.
“Traduzir
o Verso Livre”, quinto e último capítulo, é o fecho do trabalho de análise da
tradução de poesia , “Le
Chant d ́amour”, de Apollinaire serve como exemplo. O estudo inicia pelos sons, seus signficados
em várias línguas.O capítulo ainda aborda escolhas de tradução, a análise
remete a capítulos anteriores onde verso
livre e poemas metrificados são tratados como detentores de igual nivel de
complexidade. “Gesto sobre um Poema de Hilda Hilst em Francês”, fecha o último
capitulo, encerra de forma brilhante esta obra que vem a engrandecer os Estudos
da Tradução.
TRECHO
Segundo
Vizioli, um tradutor deve traduzir, primeiramente, a partir do ritmo (melopeia)
do poema e criar um texto que retoma a regularidade métrica, caso haja alguma,
no texto original. Um pentâmetro iâmbico inglês, por exemplo, pode ser
traduzido em decassílabos ou alexandrinos. O importante é que a escolha não
esteja isolada das outras qualidades sonoras do texto, como as repetições, as
assonâncias e as aliterações.
Vizioli
nota também que a “imagética”( a fanopeia) deve ser recriada e que os termos
mais marcados pela “cor local” não devem ser substituídos por elementos da
cultura de chegada. Assim, para chegar-se a uma “verdadeira recriação poética”,
é necessário transpor o termo em sua estranheza. O apagamento dessa estranheza
pela introdução de elementos da língua-cultura de chegada significa que se saiu
do domínio da tradução para entrar na adaptação literária.
AUTOR
ÁLVARO FALEIROS é poeta,
tradutor, compositor e professor de literatura francesa na USP Universidade de
São Paulo. Tem publicado artigos sobre
tradução poética em revistas na França, no Canadá e no Brasil.Publicou diversos
livros de poesia, entre os quais
Coágulos, Meio mundo e o cordel Auto do Boi d’Água, Do centro dos edifícios..
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