domingo, 3 de maio de 2015

Lição de caligrafia

(Geraldo Borges)

No tempo em que estudei o curso primário, no  grupo escolar Teodoro Pacheco, que ficava na esquina da Praça João Luis Ferreira a nossa professora costumava  ministrar ditado durante a aula de português.  Era um exercício interessante. Avaliava o grau de entendimento que os alunos tinham da língua portuguesa. E ao mesmo tempo exercitava  a leitura. Nem todos se saiam bem, a ponto de escrever todas as palavras do texto corretamente. Alguns trocavam o j pelo g. Os acentos atrapalhavam muito. Mas, no final das contas o ditado era um instrumento  didático bastante eficiente. Havia também exercícios de cópias.

Eu fiava admirado como é que a minha professora, depois que acabava o ditado conseguia corrigir  aquele monte de trabalho, com letras de todo jeito e qualidade. Era dose. As pessoas que tinham letras boas facilitavam. Eu, pelo contrário, tinha uma péssima letra. Às vezes nem eu mesmo  a entendia.E eu acho que a caligrafia ajudava na nota. Nesse tempo não havia caneta big. Usávamos caneta de pena com tinteiro e mata borrão, e lápis com borracha. Havia muito borrões em nossos cadernos. Desenhos surrealistas E geralmente desenvolvíamos a nossa escrita com muito menos rapidez do que hoje em dia.

No grupo escolar também estudássemos caligrafia. Cada aluno tinha um caderno para  essa tarefa. Os exercícios de caligrafia consistiam em copiar um provérbio edificante desse que padronizam a vida; que confundem a realidade do mundo com a sua mera descrição; era como se através da caligrafia pudéssemos nos tornar um bom cidadão. Difícil  desconfiar de um sujeito que tenha uma boa caligrafia. Na China e no Japão a caligrafia faz parte de sua cultura milenar. E uma maneira estética de se expressar. No Brasil, com certeza, deve existir por aí alguns bons calígrafos.

Por mais que eu me esforçasse para desenhar uma letra bonita, não conseguia. Eu não conseguia encaixar as letras nas linhas paralelas, nas linhas retas. Elas me davam uma sensação de limite. Parece que a minha mão era mais veloz que a minha vontade e me conduzia através de seus garranchos. Não quer dizer, com isso, que eu detestasse a minha letra; ela deve ter melhorado com o tempo, era muito vertical. Hoje é mais horizontal.

Havia  alunos que mordiam a língua para poder arredondar as letras; isso me fazia lembrar de pessoas adultas, camponeses acostumados ao cabo da enxada, querendo apreender a ler e escrever, pelo menos o seu nome.
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P/S: Na semana passada, conversando, casualmente, com uma professora num ponto de ônibus. Conversa vai conversa vem, antes de seu ônibus chegar ela me disse que ainda utilizava o ditado com os seus  alunos, e também exercício de caligrafia, e cópia.
De repente voltei a infância e revi  na professorinha a minha antiga professora do  primário.

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