domingo, 3 de maio de 2015

A violência urbana ontem e hoje




(Edmar Oliveira)

Eu fui a uma exposição no MAR (Museu de Arte Rio) sobre a ocupação do espaço urbano chamado de Pequena África. Onde o atual prefeito, que fez o MAR, faz as intervenções no que se convencionou chamar de Porto Maravilha.

A exposição denuncia como os primeiros habitantes da Pequena África tiveram que subir os morros para que a cidade branca se fixasse no centro do Rio. E prova como a intervenção urbana do passado apagou as marcas históricas agora descobertas no novo projeto.

Na verdade a atual intervenção urbana resgata o passado de nossa história do maior comércio de seres humanos do planeta e desnuda o cais do Valongo, por aonde chegaram os africanos; o Cemitério dos Pretos Novos, onde os moribundos da extenuante viagem e os doentes e sem dotes para o trabalho braçal foram deixados morrer e enterrados; além de revelar sítios arqueológicos que mostram os usos e costumes dos moradores da Pequena África.

Tudo muito bonito. No mirante do MAR observa-se o movimento atual. A retirada do feio e paquidérmico viaduto da Perimetral que cortou ao meio o lindo mercado municipal. (Onde funciona o restaurante Albamar é a única das cinco torres do mercado que restou). A recuperação da Praça Mauá, antes uma passagem de marinheiros e ambiente de prostituição. A recuperação dos armazéns do porto e uso para espaço cultural. A recuperação do primeiro prédio do rio, onde funcionou o jornal “À NOITE” e a fabulosa rádio Nacional (a reforma parece paralisada pelo escândalo das empreiteiras com a Petrobrás, o que é pena). O lindo projeto do arquiteto valenciano Calatrava do Museu do Amanhã, que ocupa o antigo píer do porto e se projeta na baía de Guanabara. Vale a pena a visita e a vista do projeto e do museu.

Mas... fiquei matutando no modo de fazer o atual projeto e segui pequenas pistas que a própria exposição deixa escapar como contradições. Um belo vídeo sobre a construção do teleférico do morro da Providência mostra a demolição de casas e a transferência de famílias para outro lugar longe dali, fazendo a perda de relações de moradores da comunidade e testemunhando a infelicidade de alguns que foram retirados à força da sua moradia. Num depoimento, um antigo morador verbaliza que lhe arrancaram o seu passado, a sua memória. Um líder comunitário diz que sabe que vários moradores tiveram ataques do coração e morreram com a desocupação. Outro vídeo mostra a demolição de várias moradias e a transferência de pessoas no processo que o capitalismo chama eufemisticamente de “gentrificação”. Em nenhum momento, denuncia um depoente, foi pensado um projeto que contemplasse o assentamento naquele local de pessoas que foram retiradas. Um depoente escancara: morou a vida toda ali “quando a barra era pesada”, agora que vai ficar bom “eu não posso mais ficar?”

Lembrei da batalha de moradores, que acompanhei num antigo blog, resistindo a desocupação forçada da prefeitura. À noite casas eram marcadas com sinais de que seriam demolidas e os moradores eram obrigados a sair sem ter para onde ir.

Na época escrevi que o poder público deixava ocupar para desvalorizar e em conluio com empresários o lugar degradado era comprado à preço de banana para uma “gentrificação” posterior. Isto é, o pobre – o antigo morador – era usado como meio para a desvalorização e depois expulso, para a modernização. E não podemos esquecer que isso foi feito para que o lugar ficasse belo.
Fiquei pensando que no futuro bem distante um novo museu fará uma exposição sobre a forma violenta de desocupação do porto maravilha de hoje, que repete a história contada agora da Pequena África.





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