(Edmar Oliveira)
Eu fui a uma exposição no MAR (Museu de Arte Rio)
sobre a ocupação do espaço urbano chamado de Pequena África. Onde o atual
prefeito, que fez o MAR, faz as intervenções no que se convencionou chamar de
Porto Maravilha.
A exposição denuncia como os primeiros habitantes da Pequena
África tiveram que subir os morros para que a cidade branca se fixasse no
centro do Rio. E prova como a intervenção urbana do passado apagou as marcas
históricas agora descobertas no novo projeto.
Na verdade a atual intervenção urbana resgata o passado de
nossa história do maior comércio de seres humanos do planeta e desnuda o cais
do Valongo, por aonde chegaram os africanos; o Cemitério dos Pretos Novos, onde
os moribundos da extenuante viagem e os doentes e sem dotes para o trabalho
braçal foram deixados morrer e enterrados; além de revelar sítios arqueológicos
que mostram os usos e costumes dos moradores da Pequena África.
Tudo muito bonito. No mirante do MAR observa-se o movimento atual.
A retirada do feio e paquidérmico viaduto da Perimetral que cortou ao meio o
lindo mercado municipal. (Onde funciona o restaurante Albamar é a única das
cinco torres do mercado que restou). A recuperação da Praça Mauá, antes uma
passagem de marinheiros e ambiente de prostituição. A recuperação dos armazéns
do porto e uso para espaço cultural. A recuperação do primeiro prédio do rio,
onde funcionou o jornal “À NOITE” e a fabulosa rádio Nacional (a reforma parece
paralisada pelo escândalo das empreiteiras com a Petrobrás, o que é pena). O
lindo projeto do arquiteto valenciano Calatrava do Museu do Amanhã, que ocupa o
antigo píer do porto e se projeta na baía de Guanabara. Vale a pena a visita e
a vista do projeto e do museu.
Mas... fiquei matutando no modo de fazer o atual projeto e
segui pequenas pistas que a própria exposição deixa escapar como contradições.
Um belo vídeo sobre a construção do teleférico do morro da Providência mostra a
demolição de casas e a transferência de famílias para outro lugar longe dali,
fazendo a perda de relações de moradores da comunidade e testemunhando a
infelicidade de alguns que foram retirados à força da sua moradia. Num
depoimento, um antigo morador verbaliza que lhe arrancaram o seu passado, a sua
memória. Um líder comunitário diz que sabe que vários moradores tiveram ataques
do coração e morreram com a desocupação. Outro vídeo mostra a demolição de várias
moradias e a transferência de pessoas no processo que o capitalismo chama
eufemisticamente de “gentrificação”. Em nenhum momento, denuncia um depoente,
foi pensado um projeto que contemplasse o assentamento naquele local de pessoas
que foram retiradas. Um depoente escancara: morou a vida toda ali “quando a
barra era pesada”, agora que vai ficar bom “eu não posso mais ficar?”
Lembrei da batalha de moradores, que acompanhei num antigo
blog, resistindo a desocupação forçada da prefeitura. À noite casas eram
marcadas com sinais de que seriam demolidas e os moradores eram obrigados a
sair sem ter para onde ir.
Na época escrevi que o poder público deixava ocupar para
desvalorizar e em conluio com empresários o lugar degradado era comprado à
preço de banana para uma “gentrificação” posterior. Isto é, o pobre – o antigo
morador – era usado como meio para a desvalorização e depois expulso, para a
modernização. E não podemos esquecer que isso foi feito para que o lugar
ficasse belo.
Fiquei pensando que no futuro
bem distante um novo museu fará uma exposição sobre a forma violenta de
desocupação do porto maravilha de hoje, que repete a história contada agora da
Pequena África.
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