domingo, 18 de abril de 2010

EFEITO DO GÊNIO, DEFEITO DO HUMANO

Edmar Oliveira

Escrito e dirigido por Lírio Ferreira (o co-autor de “Baile Perfumado”), “O Homem que Engarrafava Nuvens” tem a produção e intromissão necessária de Denise Drummont, filha de Humberto Teixeira, o Inventor do Baião. Denise avisa, logo no começo do documentário, que não conheceu o Humberto direito e alguns entrevistados opinam que ele se escondeu para que a obra ressoasse pela trombeta de Luiz Gonzaga. Gil diz mesmo que ele gostava era de ver o Lua cantar. E eu também não o conhecia na dimensão revelada pelo documentário.

O obstinado cearense veio ao Rio de Janeiro trazer o baião tido e ouvido nas feiras nordestinas, nas cantigas de cego, no dedilhar dos cantadores. Antes de achar o parceiro necessário compôs outras loas, mas não esquecia a obstinação por um ritmo que embalou seus sonhos infantis. Num depoimento emocionante diz ter chegado a duvidar “se esse ritmo prestava” tanta foram as recusas encontradas pelos artistas da época. Com diz em seu depoimento o músico Otto, a pólvora que trazia Teixeira precisava do canhão de Gonzaga e o encontro foi a explosão para o Brasil e para o mundo.

A intromissão de Denise, na tentativa de conhecer o pai, expõe feridas familiares, um pai repressor, um político conservador, um conquistador de moças ingênuas e de olhos verdes (Kalu). Os defeitos encontrados nos mais comuns dos mortais. Mas nada disso, tão necessário ao conhecimento do documentado, são capazes de ofuscar os efeitos do gênio, que inventou uma música (uma dinastia, prefere Gil comparando a outra dinastia, a do samba) que marcou para sempre a cultura popular brasileira.

E ultrapassando fronteiras, encontramos David Byrne cantando uma versão em inglês de Asa Branca, que ele diz ter feito quando entendeu a letra. Ele diz que buscou inspiração no sul desértico americano, marcado pela seca nos anos vinte, com intensa migração para a Califórnia, a São Paulo dos nordestinos de lá. E aí a música ganha em letra a tristeza e emoções da canção nordestina. Foi Miguel Torga quem disse: “o universal é o local sem paredes”. E é este universal do sertão de Teixeira que o torna gênio. Com os defeitos do humano.

Em Tempo (para os que o opõe ao Zé Dantas): ele elogia o sucessor de forma muito elegante, parecendo não conter nenhuma mágoa, como se propagam os efeitos dos gênios contra os defeitos do humano.

Em Tempo II: curiosamente tem também uma versão de Asa Branca em japonês. O desfile de artistas na trilha sonora é muito bom, com um certo exagero na participação dos baianos.

2 comentários:

Pedalando Pelo Mundo disse...

O filme é maravilhoso! Emocionou-me muito. Expõe a dicotomia homem e gênio de forma clara, sensível e verdadeira!

Luciane disse...

Protesto: os baianos estiveram na medida nesse filmaço, tá Edmar?! Caetano e Gil tem longa estrada nos ritmos nordestinos, cantam, estudam e sabem muito de Humberto Teixeira.
(afinal,se o "baiano" é bom sozinho, que dirá "baiano de dois").
Ademais,não conte na sua lista de baianos a doce nova yorkina Bebel Gilberto, que arrebenta cantando "Juazeiro" e não é baiana, embora quissesse muito ha ha ha ha
Agora sério: a interpretação de Caetano para "Baião de dois" é antológica!