domingo, 18 de abril de 2010

José Expedito Rego

Mauro Sampaio


Acabo de ler o romance "Malhadinha", do médico e escritor oeirense José Expedito Rêgo (1928-2000). Não sou nenhum crítico literário. Minhas impressões sobre uma obra dão mal para o meu gasto e algumas conversas entre amigos. Mas, arrisco uma comparação: José Expedito Rêgo é o Jorge Amado do Piauí.

"Malhadinha" poderá consagrá-lo se houver um esforço da família, que detém os direitos autorais do escritor, para dar conhecimento do talento desse piauiense a uma grande editora nacional. Trata-se de uma história universal passada numa fazenda e em Oeiras no fim do século XIX.

O romance proibido de Nelson e Raquel (ele, casado com a louca Rosa, confinada na fazenda Malhadinha; ela, uma prima solterona morando em Oeiras, aceitando o amor carnal de Nelson) e o amor não concretizado do padre Sérgio e Nair são formidáveis. "Malhadinha", a cada capítulo, aborda preconceito racial, a submissão da mulher, escravidão, a intromissão da Igreja Católica na vida cotidiana, o medo, a loucura, o pecado e as hipocrisias sociais. José Expedito Rêgo é um imortal.

Segue um trecho da obra, publicada em 1990 pela Academia Piauiense de Letras. Nele, o autor descreve a semiescravidão dos negros, que continuavam sujeitos à Casa Grande, libertos, mas sem opção de uma vida digna:

"Era o porco o serviço de que a negra Sabina desgostava. Toda manhã, o pessoal se retirava para conversar na varanda de fora ou cuidar de obrigações. Sabina recolhia os penicos, usados de noite e os despejava nas moitas de mofumbo, atrás do morro, lugar do cagadouro dos negros. Gozava a vantagem de conhecer as fezes das pessoas da casa, compensação do trabalho sujo. Via nenhuma diferença entre a bosta de negro e o excremento de branco. Nair fazia bostinha roliça, fininha e amarela, boiando no vaso com urina pouca. A obra de Sinhá eram bolinhas pretas como estrume de cabra. Nem todo dia evacuava. Passava até quatro dias sem nada botar fora. Noé sofria de ventre preso, quando defecava era jatobá grosso, às vezes com sangue. Hélio não despejava o serviço grosso no penico, só mijava. Devia limpar as tripas debaixo das moitas, atrás dos currais. Rufina tirava o penico da Rosa, a doida não queria outra.”

"Sabina custou a conhecer as fezes do padre. Três dias se passaram e só aparecia o mijo amarelo no urinol de louça fina com tampa enfeitada de flores azuis. O mistério desencantou: uma pasta escura no fundo do vaso, por baixa da urina, parecendo resultado de purgativo.”

"Despejados os penicos, a preta os lavava com sabão, esfregando-os munida de escovinha de palha de carnaúba. Secavam ao sol.”

"Sabina lavava ainda as bacias de louça dos lavatórios e reabastecia as jarras de água fresca, ajudada por Beú.”

"D. Maria Ferreira queria as criadas no trabalho. 'Negro - dizia - tinha que estar com as mãos ocupadas, para não malinar ou furtar comida sem precisão'. Sem forças para tecer as redes de antigamente, punha a Beú a tecê-las e fiscalizava o serviço da sua cadeira larga e baixa, fazendo crochê. Sentia a vista cansada, dificuldade para acertar os pontos. Pediria a Nelson um bom par de lentes."
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Postado originalmente na coluna “Brasília” do Portal Acessepiauí em 21/02/2010

Enviado por Joca Oeiras

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