Luiz Horácio
Tigres no
espelho e outros textos da revista The New Yorker deixa ao leitor a suspeita de
estar seu autor acuado entre dois aspectos das artes: um que acaricia e outro
que castiga. Confere ao leitor o poder de decidir.
No momento em que os "tons de cinza" alcançam, com
facilidade, o topo das aspirações literárias, não é difícil acertar a escolha
do leitor. Com exceções, felizmente. Raras, eu sei, mas a felicidade também é
matéria rara.
George Steiner é o
autor dos artigos jornalísticos, segundo a ficha do livro, quase ensaios, quase
crônicas, segundo a indefinição deste aprendiz.
Em quatro partes,
História e Política, Escritores e Literatura, Pensadores e Estudos ao Vivo,
George Steiner
apresenta
um recorte da literatura com seus textos publicados no The New Yorker nos anos
70/80, Pequeno atraso nos contempla. Dito isso,curioso leitor, aquietai vossa
curiosidade.
Steiner é um brilhante
professor, escritor, critico, dono de incomum erudição, hideggeriano
melancólico, judeu.
É exatamente a questão judaica que permite olhar para Tigres no
espelho e
perceber as raízes do autor e o intelectual, a caricia e o castigo, a análise e
a condescência, o rigor e a delicadeza.
Como exemplo permitam
discorrer brevemente acerca do ensaio/crônica sobre, a principio, Bébert,
o gato de Céline. No começo havia um
gato, logo veio o homem, retorna o gato.
Semelhanças à parte,
Céline era médico. Médicos e gatos
escondem seus erros, suas merdas, embaixo da terra, sigamos.
Homem gato faz alusão ao homem,
ao escritor, Steiner faz a distinção, e a Bébert.
No texto fica bem
clara a necessidade que temos de arte, arte capaz de atenuar inclassificáveis
atrocidades. Louis Ferdinand Céline, é o exemplo.
De carinho, Viagem ao fim
da noite,
obra prima da literatura universal. De afronta, de crime, Bagatelles pour
un massacre e
L'École
de cadavres,
obras onde incita a humanidade a exterminar os judeus.
Embora a tendência
seja a de correr sempre para o lado mais tranqüilo, Steiner teria, e tem,
elementos suficientes para elencar aspectos nefastos em Céline, homem e
escritor. Homem
gato é
apenas um exemplo da delicadeza desse crítico, que jamais se coloca no centro
de seus escritos, mesmo frente a autor e tema que o fustigam consegue extrair o
melhor, da literatura e do homem.
Não condena, suspeita,
deixa no ar, divide a responsabilidade com Bébert:
"Meu
instinto me diz que Morte a crédito e Bagatelles deveriam embolorar nas
prateleiras. As reedições recentes me parecem uma exploração imperdoável por
razões comerciais ou políticas. Os grandes "romances verídicos"
permanecem.
Sua canção
desenfreada dá vida e traz renovação à linguagem.O indivíduo Destouches
continua indesculpável.Mas mesmo neste ponto Bébert talvez pedisse licença para
discordar."
O tom de Tigres no
espelho é dado pelo respeito a
pluralidade dos sentidos e a quase obrigação de interpretar determinada obra
pelo viés positivo, embora frágil, uma elegância que quase transforma os textos
em elogios, em releases.
Quase. Dois textos
fogem à regra, um sobre Cioran, aquele excesso de pessismo podia não ser tão
natural assim; e o outro sobre o narcisista John Barth.
Mesmo ao discordar, ao
criticar, Steiner não faz uso das ferramentas óbvias da vaidade e da
mesquinharia. O crítico é óbvio, o crítico deve ser óbvio, se possível com
erudição.
É justamente a
erudição que faz de Tigres
no espelho uma
reunião de nuances. Frágeis nuances, mas sempre nuances.
Por falar em
nuances, Da nuance e da minúcia é o texto onde Steiner
discorre sobre Samuel Beckett, melancolias comuns, mas sobretudo erudições
incomuns. “A guerra vem como uma
interrupção banal. Ela cercou Beckett de um silêncio, uma rotina de insânia e dor tão tangível
quanto a que se adivinhava em sua arte. Com Molloy em 1951 e Esperando Godot no
ano seguinte, Beckett preencheu a menos interessante e mais necessária de todas
as condições: a atemporalidade. Superara o tempo; o grande artista é,
justamente, quem “sonha à frente”.”
Tigres no espelho é o
título de um dos textos, 20 de junho de 1970, dedicado a Jorge Luis Borges. “A estranheza
concentrada do repertório de Borges explica certo preciosismo, uma elaboração
rococó que pode ser fascinante, mas também asfixiante. Mais de uma vez, as
luzes pálidas e as formas ebúrneas de sua invenção se distanciam da desordem ativa
da vida.”
Em História e Política
temos De
profundis (sobre o gulag de Soljenítsin), em Escritores e Literatura é a
vez de Sob
os olhos do Oriente ( sobre Alexander Soljenítsin e outros russos), isso mesmo,atento
leitor, Soljenítsin em dose dupla. Agora tripla. Razão para isso? Discordo.
Talvez para merecer o momento constrangedor da obra:“Mais do que sermos nós a
ler, é Soljenítsin quem nos lê”.
Delicado, até mesmo ao
analisar certas contradições de
Soljenítin sobre o espírito do povo russo, é o texto mais datado da coletânea.
Este aprendiz foi
grosseiro lá pela metade deste texto, tal comportamento jamais será enfrentado
num texto de Steiner, são quase saudações, apresentações, ou homenagens.
Excetuando os dois exemplos enumerados.
Concluído este texto
recomeçarei a ler Steiner, Les
Antigones é
obrigatório, La
culture contre l’homme todo
mundo deve ler, padeço da falta de nuances...nuances... e erudição.
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GEORGE STEINER: Francis George Steiner nasceu em Paris, em 1929. É crítico literário, ensaísta, filósofo, tradutor e professor. Lecionou Literatura Comparada nas universidades de Genebra, Oxford e Harvard. Escreveu, entre outros livros, Linguagem e silêncio, No castelo do Barba Azul, A morte da tragédia e Tolstói ou Dostoiévski. Colabora com diversas publicações, como Times Literary Supplement e The Guardian, além de The New Yorker, revista para a qual trabalhou por mais de 30 anos.
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