desenho: Latuff |
(Geraldo Borges)
Durante esse Natal resolvi fazer uma
viagem pelos caminhos e praças de Jerusalém e ver as ruínas dos tempos de
Cristo. Que o leitor não me traduza ao pé a letra. Cristo disse que ninguém é
profeta em sua terra. Dito isso foi morrer em Jerusalém. Eu estava lá. Não se
preocupe leitor, cristão. Estou a gosto com a minha fantasia. E sei que você
não vai ficar perplexo. O mal do século é que ninguém fica mais perplexo. Tudo
virou banalidade. Com certeza, não vou levar nenhuma pedrada dos Palestinos,
nem balas perdidas de Judeus. Até mesmo porque estou invisível e envolto nas
sombras do túnel do tempo. No momento, pelas ruas estreitas e esburacadas das
ladeiras de Jerusalém, tropeço nas cabeças de milhares de crianças que foram
degoladas por ordem do rei Herodes, quando do nascimento do menino Jesus, em
Belém. Só porque uma profecia declinava que o menino ia ser o rei dos Judeus;
Estou acompanhando a sua entrada triunfal em Jerusalém. O caminho atapetado de
flores E ele montado em um jumento; desses jumentos que a gente costuma ver por
aí pelo Nordeste, e hoje estão virando salsicha. Os jumentos sempre deram uma
ajuda a Jesus. Foi montados em um deles que Jose e Maria fugiram
com o menino para o Egito. Quando Jesus voltou, com a idade de doze anos, falou
contra os doutores, fariseus corruptos,
e deixou sua mãe muito preocupada.
Depois de batizado por João Batista passou quarenta dias no deserto jejuando e
sendo tentado pelo belzebu. Saiu-se muito bem. Estava pronto para pregar a boa
nova.
Vi os milagres de Jesus. Uma maravilha. Foi ai que comecei a
ver na natureza o sobrenatural. Ele curou cego, leprosos, aleijados, tirou
espíritos malignos do corpo de pessoas possessas, ressuscitou Lázaro e a filha
de Jairo, multiplicou os pães e contrariou
os padeiros, multiplicou os
peixes e deixou os pescadores preocupados, andou sobre as águas, acalmou
tempestades. Não era truque de mágico de circo não. Começou a ficar muito
conhecido e tornou-se incômodo para os políticos judeus que tinham medo dos
Romanos. Embora Cristo dissesse dá a César o que é de César e a Deus o que é de
Deus. Os Romanos, donos da situação até que nem levavam Jesus Cristo muito a
sério. Quem mais o temia era os próprios Judeus.
Os fariseus começaram a conspirar contra ele. E daí por diante
a sua Paixão e Morte se desencadeou rapidamente com as cenas que se seguem: a
santa ceia, o monte das oliveiras, a traição de Judas, a negação de Pedro.
Cristo na presença de Caifás, suicídio de Judas. Cristo perante Pilatos, que
entrou no credo. E eu lá rondando nas franjas das sombras tentando enxergar
alguma verdade.Ora, estava ao lado de Cristo. Ora, ao lado de Barrabás. Vi
Marcos despido, saindo de dentro de sua roupa de linho, fugindo de um soldado
que queria prendê-lo, Vi Simão ajudar Jesus Cristo carregar a sua cruz. Eu
estava lá e bem que poderia também ter dado uma ajuda. Mas, na verdade, eu
procurava, covardemente, me esconder no meio do povo, e contemplar de longe
aquele espetáculo grandioso; a morde de um deus, lá em ima de um morro,
crucificado. E cercando a sua cabeça
uma coroa de espinho, com as letras INRI, que quer dizer: Jesus Nazareno Rei
dos Judeus. Quando sentiu sede deram-lhe vinho para beber misturado com fel.
O meu cálice está vazio e minha asa de peru está só o osso.
Vou sair por um momento de Jerusalém e me abastecer de comes e bebes. Resolvo
entrar no reino da realidade. Cristo está morto. Os judeus não deram a mínima
para ele. Nós, os escravos Romanos e os bárbaros aceitamos a sua mensagem. Só
não sabemos muito bem o que fazermos dela. Mesmo assim, acreditamos que, um
dia, teremos o céu, como prêmio de toda essa tragédia. A grande catarse.
No Ocidente, todo ano, como estamos fazendo agora, as
famílias cristãs se juntam para a festa do Natal, o simbólico nascimento do
menino Jesus. Eu acho que vou pegar mais um cálice de vinho e uma asa de peru e
me embriagar. Aos meus convidados Feliz Natal e prospero ano novo. Com certeza
Jesus Cristo está aqui com a gente. E não é preciso ter medo que o vinho acabe. Só que aqui nessa festa só se fala em nome do
Papai Noel, em seu saco de presente. Pois o velho bonachão transformou o berço
do menino em uma vitrine de mercadorias.
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