domingo, 25 de dezembro de 2016

Ruínas dos tempos de Cristo


desenho: Latuff


(Geraldo Borges)


            Durante esse Natal resolvi fazer uma viagem pelos caminhos e praças de Jerusalém e ver as ruínas dos tempos de Cristo. Que o leitor não me traduza ao pé a letra. Cristo disse que ninguém é profeta em sua terra. Dito isso foi morrer em Jerusalém. Eu estava lá. Não se preocupe leitor, cristão. Estou a gosto com a minha fantasia. E sei que você não vai ficar perplexo. O mal do século é que ninguém fica mais perplexo. Tudo virou banalidade. Com certeza, não vou levar nenhuma pedrada dos Palestinos, nem balas perdidas de Judeus. Até mesmo porque estou invisível e envolto nas sombras do túnel do tempo. No momento, pelas ruas estreitas e esburacadas das ladeiras de Jerusalém, tropeço nas cabeças de milhares de crianças que foram degoladas por ordem do rei Herodes, quando do nascimento do menino Jesus, em Belém. Só porque uma profecia declinava que o menino ia ser o rei dos Judeus;

Estou acompanhando a sua entrada  triunfal em Jerusalém. O caminho atapetado de flores E ele montado em um jumento; desses jumentos que a gente costuma ver por aí pelo Nordeste, e hoje estão virando salsicha. Os jumentos sempre deram uma ajuda a Jesus.  Foi  montados em um deles que Jose e Maria fugiram com o menino para o Egito. Quando Jesus voltou, com a idade de doze anos, falou contra  os doutores, fariseus corruptos, e deixou sua mãe muito  preocupada. Depois de batizado por João Batista passou quarenta dias no deserto jejuando e sendo tentado pelo belzebu. Saiu-se muito bem. Estava pronto para pregar a boa nova.

Vi os milagres de Jesus. Uma maravilha. Foi ai que comecei a ver na natureza o sobrenatural. Ele curou cego, leprosos, aleijados, tirou espíritos malignos do corpo de pessoas possessas, ressuscitou Lázaro e a filha de Jairo, multiplicou os pães e contrariou    os padeiros, multiplicou os peixes e deixou os pescadores preocupados, andou sobre as águas, acalmou tempestades. Não era truque de mágico de circo não. Começou a ficar muito conhecido e tornou-se incômodo para os políticos judeus que tinham medo dos Romanos. Embora Cristo dissesse dá a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Os Romanos, donos da situação até que nem levavam Jesus Cristo muito a sério. Quem mais o temia era os próprios Judeus.

Os fariseus começaram a conspirar contra ele. E daí por diante a sua Paixão e Morte se desencadeou rapidamente com as cenas que se seguem: a santa ceia, o monte das oliveiras, a traição de Judas, a negação de Pedro. Cristo na presença de Caifás, suicídio de Judas. Cristo perante Pilatos, que entrou no credo. E eu lá rondando nas franjas das sombras tentando enxergar alguma verdade.Ora, estava ao lado de Cristo. Ora, ao lado de Barrabás. Vi Marcos despido, saindo de dentro de sua roupa de linho, fugindo de um soldado que queria prendê-lo, Vi Simão ajudar Jesus Cristo carregar a sua cruz. Eu estava lá e bem que poderia também ter dado uma ajuda. Mas, na verdade, eu procurava, covardemente, me esconder no meio do povo, e contemplar de longe aquele espetáculo grandioso; a morde de um deus, lá em ima de um morro, crucificado. E cercando a   sua cabeça uma coroa de espinho, com as letras INRI, que quer dizer: Jesus Nazareno Rei dos Judeus. Quando sentiu sede deram-lhe vinho para beber misturado com fel.

O meu cálice está vazio e minha asa de peru está só o osso. Vou sair por um momento de Jerusalém e me abastecer de comes e bebes. Resolvo entrar no reino da realidade. Cristo está morto. Os judeus não deram a mínima para ele. Nós, os escravos Romanos e os bárbaros aceitamos a sua mensagem. Só não sabemos muito bem o que fazermos dela. Mesmo assim, acreditamos que, um dia, teremos o céu, como prêmio de toda essa tragédia.  A grande catarse.

No Ocidente, todo ano, como estamos fazendo agora, as famílias cristãs se juntam para a festa do Natal, o simbólico nascimento do menino Jesus. Eu acho que vou pegar mais um cálice de vinho e uma asa de peru e me embriagar. Aos meus convidados Feliz Natal e prospero ano novo. Com certeza Jesus Cristo está aqui com a gente. E não é preciso ter medo que o vinho acabe.  Só que aqui nessa festa só se fala em nome do Papai Noel, em seu saco de presente. Pois o velho bonachão transformou o berço do menino em uma vitrine de mercadorias.
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