domingo, 3 de fevereiro de 2013

SURTO DE HIPOCRISIA

Edmar Oliveira

Depois da lamentável tragédia de Santa Maria, prefeitos e governadores país adentro resolveram fazer um trabalho que deveria ter acontecido na natureza do cotidiano. Examinaram os locais de espetáculos e que reúnem usuários de serviços, verificando quem tem alvará de funcionamento. E descobrimos que muitos destes espaços públicos ou privados não estavam aptos ao funcionamento. Situação surrealista, da qual as autoridades não se envergonham!

Por outro lado, oportunistas representantes do povo no Congresso Nacional se arvoram em preparar mais leis que não serão cumpridas. Pois as que existem, se obedecidas, já bastariam.

No Rio de Janeiro são 49 espaços culturais públicos que estão impedidos de funcionamento até a regularização. Segundo uma autoridade municipal, o arroubo oficial é: “Não tem, não funciona”. E é idiota quem pensava que assim deveria ser desde sempre e não agora que a tragédia da irresponsabilidade pública e da ganância empresarial se abateu sobre os gaúchos.

Ora, quem conhece o funcionamento das instituições desse país sabe de como se oferece uma burocracia dificultosa pra vender facilidades com o jeitinho da corrupção que vivemos no dia-a-dia. E aí se cria um funcionamento provisório até a regulamentação dos documentos. Só agora o alcaide carioca diz bravatas tipo: “não tem alvará, não funciona”.  Deveria ser assim desde sempre. E a gente sabe que se não “molhar a mão do fiscal” a documentação não sai. Se a água for muita os documentos ficam prontos, mesmo que as normas não tenham sido respeitadas. Nos espaços públicos a morosidade da burocracia fica tão devagar que às vezes para.

Se as leis que regulamentam o assunto fossem obedecidas e se funcionar sem elas seria estar fora da lei, se os órgãos fiscalizadores impedissem o funcionamento dos estabelecimentos fora da lei, as tragédias teriam um responsável no agente da lei que liberou fora das normas ou do dono do estabelecimento que funcionou burlando a lei. Não essa confusão entre eles, tendendo a não aparecerem os culpados.

Voltando ao alcaide carioca e o fechamento dos espaços públicos, algo que deve ocorrer, nesse surto de hipocrisia, por todo o país: foram fechados, para o cumprimento de normas que deveriam já ter sido cumpridas, 13 teatros (alguns deles, como o Carlos Gomes, funcionando desde o começo do século passado), 16 museus (entre eles o Castelinho do Flamengo, um dos prédios mais antigos da praia do Flamengo e o Memorial Getúlio Vargas, moderna e ampla construção recente), 9 bibliotecas (que, sejamos honestos, nunca estão tão lotadas que não se possa evacuar funcionários e raros leitores) e 10 lonas culturais (a maioria no subúrbio, única diversão e projetos executados pela própria prefeitura recentemente). A maioria espaços culturais não têm alvarás pela leniência e desleixo da burocracia pública. Melhor teria sido ordenar aos órgãos públicos fiscalizadores que cumprissem seu dever imediatamente e só interditar os que não pudessem ser regularizados. Falamos dos espaços culturais públicos e não das arapucas privadas, que deveriam receber o lacre até a liberação de fato, sem funcionamento provisório. Como deveria ter sido desde sempre. E não esquecidas depois, até acontecer nova tragédia.

Eu frequento a biblioteca de Botafogo, que fica perto de casa. Até na palestra do Mia Couto eram muitas as portas por onde poderíamos sair se algo desse errado. No dia-a-dia então nem se fala. A única perda é proibir os meninos de saber que “viver é muito perigoso”, como diz o Rosa para os sertões sem nunca ter frequentado uma discoteca.

Fico aqui pensando se não seria melhor interditar alguns órgãos públicos fiscalizadores e lacrar algumas prefeituras, proibindo o seu funcionamento até a regularização da situação... 



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Desta vez deixarei vocês por um mês. Devido a agitação do carnaval e ao calor teresinense do Rio de Janeiro, o Piauinauta vai à Patagônia para um refresco nos lagos andinos. Continuem lendo as postagens dessa quinzena: o lamento de Graldo Borges, os infernos do Lázaro, o check in de Jorge Ferreira, o sertão de Climério, klöZ por 1000TON, Aderval lembrando Caetano e a jovem guarda, a advertência do Cinéas, o bonde de Santa do Chico Salles, o caravelle de Paulo Tabatinga. Hoje os poemas dominam a folha. E abraçaço, como diría a neguin'a  baiana e ouçam ele cantando a rosa vermelha, junto com Ronnie Von, no link da postagem do Dervas. Voltaremos em 3 de março, talvez. 

2 comentários:

norma soely guimaraes disse...

Edmar, nunca gostei de boates, talvez inconscientemente prevendo perigo. Todas as casas de shows fechadas são prédios bomba por conterem materiais altamente inflamáveis e poucas possibilidades de saída. E olhe que não precisa ser especialista no assunto nem frequentador assíduo para fazer esta análise. O poder público e o grande capital estão em sintonia, ou seja, de olhos fechados para essa situação. Aqui a prefeitura chamou para uma reunião (agora,no calor das chamas de Santa Maria) todos os donos de casas noturnas.

Anônimo disse...

Edmar, compreendo e concordo com o seu pensar, acrescentando que o título deveria ser EPIDEMIA e não SURTO.
Chico Salles