domingo, 18 de maio de 2014

NAS ASAS DE BRASÍLIA


(Edmar Oliveira)
 
Outra vez em Brasília. Desta feita para apresentar o meu Terra do Fogo ao planalto central. No Feitiço Mineiro, num programa duplo com Chico Salles lançando o seu cd com músicas do Sampaio. E Brasília recebeu a gente muito bem. No lançamento do livro, o Chiquinho, da livraria do Chico, um sertanejo de Picos que veio plantar livros na Universidade de Brasília, apresentou minhas letras, do que fiquei muito orgulhoso. Chiquinho é um personagem de um livro que conta a história da Universidade. Ele faz parte desta história e já foi entrevistado do Fantástico como um cultivador da cultura no planalto central do país.

Fui prestigiado pelo Nicolas Behr, o poeta que se confunde com a cidade que escolheu pra cantar. Ele ainda me presenteou com seu Brasília de A a Z, cidade-palavra que mapeia o território afetivo do planalto. Climério e Clodo me trouxeram um abraço que tomei como sendo também de Clésio, a trindade una do São Piauí. A poeta Noélia, atarantada como as quadras da cidade numérica, também me veio abraçar. Sua generosa irmã Fátima, que se chama “de Brasília” e Paulão, que nos batuques evoca o Liga Tripa, são amigos do peito. O também poeta e músico Léo Almeida e sua Josélia lá estavam. Graça Sousa, Nádia, Chico Alves, Dione, Pereirinha, Suzana, Naná, Chacal, Júlio e uma porção de amigos, que citando estes, sou injusto com aqueles. A Nação Piauí que a Raimundinha arrebanhou me fez uma presença especial. Fátima de Deus esteve neste como nos outros dois livros anteriores que apresentei a Brasília. Antônio José Medeiros, ex-secretário de cultura do Estado do Piauí e meu antigo professor das letras, me fez sentir importante. Maravilhosa foi a presença de um usuário da Saúde Mental de Brasília, que declarou acompanhar meu trabalho e veio atrás do meu primeiro livro “Ouvindo Vozes”. O esquecimento do seu nome me deixa endividado com a sua pessoa. Zé Mauro esteve de véspera e Paulo José chegou atrasado, mas veio.

Depois desse preâmbulo, o Chico Salles mandou ver, com músicos de Brasília, o som do Sérgio Samba Sampaio. Seu irmão Vicente e Conca faziam as honras da casa. E a plateia, surpreendentemente, cantava as letras das músicas escondidas do Sampaio. Ele que amou Brasília num blues que é a cara da cidade.

Denise, a viúva do Jorge Ferreira – o empresário da noite Planaltina –, ficou emocionada numa homenagem que lhe prestamos. Coincidentemente Jorge levou meu livro para tentar editar e conseguiu viabilizar um patrocínio para o cd do Chico. Apressado, como era, “queria ir pra Minas, errou o caminho e foi pro céu” nos versos de Climério e não chegou a ver o livro e o cd prontos. Tínhamos que lhe fazer uma justa homenagem no Feitiço, primeira casa do visionário que fez um Mercado Municipal numa cidade que nem município é. Mas Jorge era assim: “de tanto embebedar os poetas virou poeta também” (do poema citado).

Brasília nos foi gentil. E naquela noite voamos em suas asas. Cidade monumento. Segundo as profecias do poeta Nicolas Behr, “no turismo estelar, visitar as ruínas de Brasília é obrigatório para quem está de passagem pelo desabitado Planeta Terra”.

Terra do Fogo

dia 29 de maio estarei na Oficina da Palavra vendendo meu peixe no Sarau dos Amigos do Cinéas.
A partir das 19 horas, na Benjamim Constant.
E durante todo o Salão do Livro do Piauí no stand do Leonardo da Nova Aliança.
Nos encontraremos na terrinha.

Salgado Maranhão

 
SEM RASCUNHO

O olho em foco me distrai
com um pedaço da manhã.

E ergo saudades secretas
na casca ferida de nãos.

Sou um bicho
com a asa entre os dentes; um...
cenário
partido em fatias
para caber em mim.

(Eu sozinho e o coração
tempestade de pássaros).

Com o pé no solo,
sigo a executar
uma sinfonia sem rascunho,

a vida não tem partituras.


 (Salgado Maranhão)
______________________________
desenho: Gabriel Archanjo

Janela do trem


 
               Dando continuidade a editoração de  suas obras literárias Geraldo Almeida Borges, historiador, poeta, romancista, e cronista piauiense, lança mais um livro de crônicas  sobre a sua cidade. Desta vez trata-se de Estação Teresina (o trem do cotidiano), livro que retrata um antigo cenário, que se transformou à medida que uma nova dimensão do progresso foi se impondo na ordem  econômica do estado do Piauí, apagando o vestígio de velhos personagens que agora não passam de lembranças, e que, resgatados para  o contexto da crônica, viraram objetos de ficção.

O tema do livro são as recordações  da infância e mocidade do autor dentro de uma trajetória que aos poucos vai se esboçando, com o conhecimento das praças, ruas, igrejas, personagens,  e toda a arquitetura da cidade, que, aos pouco, vai se transformando, por imposição do progresso e da modernidade. O autor  recompõe, restaura  e conserva, em estilo sóbrio e ao mesmo tempo lírico  algumas paisagens de um momento  cultural de sua cidade.

 Nas paginas do livro o leitor terá a oportunidade de viajar como um passageiro, assim como eu,  que está voltando para a sua velha e querida cidade de antigamente, a qual ele deixou, e ao voltar apenas relembra como era nos tempos de antanho.

A leitura do livro  torna-se uma viagem ao passado, uma travessia no túnel do tempo. O leitor jovem vai  se surpreendera com informações   que enriquecerão a sua sensibilidade. O leitor velho, no passar dos anos, vai reconhecer momentos que presenciou e comungou com outras pessoas de sua geração. É como se Teresina, de outra época, ressuscitasse seus fantasmas no espesso calor das tardes, nas bocas da noite, com suas cadeiras nas calçadas.

A intimidade com que o autor trata alguns de seus personagens resulta de uma convivência anterior, de uma familiaridade  revivida no espelho da  imaginação.Alguns leitores atentos podem se reencontrar dentro do livro, se conseguirem ouvir um eco de lembrança de algum momento de sua vida. Poderão reler um rápido flagrante de sua vida real perpassada para o mundo da ficção.

No mais não precisamos dar  muita informação sobre o autor Basta dizer que ele conhecia muito bem a sua antiga cidade a ponto de  elegê-la como sua musa inspiradora. Estamos de parabéns por mais uma edição de uma de suas obras. E, no devido tempo, convidamos  o leitor para conferir.Aqui me despeço como um de seus personagens, companheiro de viagem .

                                                                                                                      Um passageiro

Climério

 
TURISMO AFLITO

Para Alberto da Costa e Silva

Tem hora que eu gostaria de sair
Andar tranquilamente por Uagadugu
Asilar-me em Burkina Fasso
Após a chegada de Sassou Nguesso

Africar-me-ei na República do Congo...
No noroeste da África
Sem fugir na direção do Togo
Como fez Pascal Lissouba em desespero

Se o sol nascer em Pointe-Noire
No meio da noite de Brazzaville
Pedirei o apoio de Angola

Rezarei pela alma das pessoas
Que fraternamente se matam pelas ruas
Saqueando o futuro agora

(Climério Ferreira)
___________________________________
desenho: Gabriel Archanjo

versão mortal


 
Estou morrendo não é nada grave
Mas era doce o meu abacaxi
Até posso dizer meu fardo é leve
E confesso satisfeito que vivi.
 
Aqui na terra eu chutei na trave
E também fiz gols de escanteio
Olhei no azul do céu urubu (ave!)
E nunca perguntei de onde ele veio.
 
Caso me seja negado sepultura
Essa ave cor de luto me serviria
Para me alçar na última aventura.
 
Por enquanto escrevo essa canção
Na perspectiva de minha epifania
Ver os amigos na alça do meu caixão.
 
 
(Geraldo Borges)

O modo PMDBista de governar


(Edmar Oliveira)
 
Gostemos ou não, a política faz parte da nossa vida e, de certa forma, nos governa. E cada um, governado pela sua ideologia política, deve resultar na maioria que governa uma nação. E eu só gosto da democracia porque ela permite que a minoria se manifeste. Pois eu, quase sempre, faço parte da minoria.

E, por mais que não gostemos, são os partidos que nos representam numa democracia. Cada qual com o seu, com as qualidades e defeitos inerentes de cada um. Até acho que temos partidos em demasia. Cinco ou seis já davam para cobrir o espectro político.

Mas não é só a quantidade de partidos que nos trazem problema, a qualidade deles e a clara explicitação da “missão” de cada um já ajudaria. Não é assim que acontece: quando o Partido dos Trabalhadores tem Sarney, Barbalho e Renan como aliados, a “missão” desse partido já parece desvirtuada. Quando num partido “socialista” tem Heráclito e Bornhausen, a “missão” socialista já se foi pras picas. Quando um presidenciável de um partido que se diz socialdemocrata apoia abertamente o agronegócio o caráter neoliberal aparece desavergonhadamente.

A ditadura tinha fingido brincar de democracia com dois partidos: Arena e MDB. A gente dizia na época: o partido do “sim” e o do “sim, senhor”. Quando a ditadura acabou a Arena virou um irônico Partido Social Democrata, que depois pariu o Partido Popular e o Partido da Frente Liberal, numa alcunha mais condizente com o ressurgimento do liberalismo. Emprestou seu caráter ao neoliberalismo tucano e depois trocou de roupa mais uma vez para voltar a ironia e se chamar Democratas. Deles restam o dono do PP, o senhor Dorneles, os herdeiros do carlismo na Bahia, uns poucos Agripinos no Rio Grande do Norte e a loucura do Cesar Maia no Rio. O resto desertou findando a Arena e se travestindo de democratas em outros partidos.

O MDB, que foi criado para fingir uma oposição ao partido oficial dos militares, virou o atual PMDB. Que, apesar da importância de um Ulisses Guimarães, foi com Sarney, Renan, Barbalho e outros oportunistas que formou o seu DNA. E no seu gene está inscrito a mutação camaleônica para não apear do poder. Tanto assim que numa disputa mais dura entre tucanos e petistas uma raposa vaticinou: “não se sabe quem vai ser o presidente, mas o líder do governo já tá definido que será o Romero Jucá do PMDB”. E acertou. Quem era líder do governo tucano mudou de lado para ser líder do governo petista. E de tanto não saber se estava à direita ou à esquerda, o PMDB se tornou um camaleão com apetite de fazer da política uma maneira de enriquecimento sem escrúpulos. E já desde muito tempo, lá atrás, ele vem sendo o partido por trás (e pela frente) dos escândalos. 

E aí o PMDB emprestou o seu “know-haw” aos partidos a quem se aliou: aparelhamento das empresas através dos cargos comissionados com o objetivo explícito de enriquecer os aliados. Agora mesmo um deputado do partido dos trabalhadores foi ouvido numa escuta falando com o interlocutor que a “operação” em que estavam envolvidos faria a independência financeira dos dois. Com dinheiro público, que o escândalo de amanhã nos faz esquecer o escândalo de hoje, assim caminha nossa “política”.

E não adianta tirar a Dilma da presidência, pois as opções que se apresentam são ainda piores. E o PMDB vai se aliar a quem ganhar para ensinar o “know-haw” do caminho curto de enriquecimento, desmoralizando quem quiser ter objetivos diferentes. O PMDB igualou todos os partidos a quem se aliou.

Eu só vejo uma saída para salvar a política do país: expulsar o PMDB do romance político, quase uma solução de como Oswald de Andrade expulsou o personagem Pinto Calçudo do romance João Miramar. E cassar qualquer político, de qualquer partido, que apresente um comportamento PMDBista. Fora disso o modo de governar PMDBista contaminará a todos os partidos e não haverá esperança neste país.     

Tabatinga


Luíz Horácio


 

A Editora InVerso promove o lançamento de Doralina, livro de Luíz Horácio, dia 19 de maio, na Livraria Cultura, em Porto Alegre.

 

A Editora InVerso lança, no 19 de maio de 2014, às 19h, o quarto livro de Luíz Horácio, Doralina – Uma tardia declaração de amor. O evento será realizado na Livraria Cultura, no Bourbon Shopping Country, em Porto Alegre.

Esse evento faz parte das comemorações do 10° aniversário da Editora InVerso.

 

Doralina. Uma tardia declaração de amor

Não é um romance, não é um conto, não é uma crônica, tampouco se parece com poesia. Doralina é uma declaração de amor de um filho à sua mãe, morta há 30 anos.

Relato autobiográfico? Pode ser. Uma autoficção seria mais adequado.

 

“Rosário do Sul, 30 de janeiro de 1984, rua Dezenove de Maio, nº.  2053. Uma mulher  morta saiu dali. Fria, rígida, deixou-me a solidão. Proposital ou não, já não importa. Foi naquela casa que ela se misturou com o inverno.

A mulher gelada que saiu dali é/era minha mãe, e por todos esses 30 anos transcorridos eu continuei vendo-a sair desse mesmo lugar, desse mesmo jeito.

Vi minha mãe atrás do vidro do caixão, estava com a fisionomia de sempre, triste. Certas pessoas são tristes porque são tristes, dispensam explicações, por isso nos acostumamos.”

 

Assim começa a "declaração de amor" do narrador. Mas o narrador é o autor? É ou não é?

Luíz Horácio responde com as palavras de Paul Valéry:

Peço desculpas por me expor assim diante de vocês; mas penso que é mais útil contar o que se sentiu do que simular um conhecimento independente de todo e qualquer observador. Na verdade, não existe teoria que não seja um fragmento, cuidadosamente preparado, de alguma autobiografia.

 

Doralina mostra o narrador estupefato ante o amor desmedido de sua mãe por ele e a necessidade que ele percebia de aquela mãe se transformar em mulher atraente para seu pai. Luíz Horácio não acreditava nessa transformação.

Trata-se de um livro onde as nuances da dor são apresentadas, descritas, mas longe de ser uma narrativa apelativa, melodramática. Realista talvez, exageradamente realista.

Uma declaração de amor a uma lembrança que jamais será tristeza.

 

 

 

Sobre o autor

Luíz Horácio Pinto Rodrigues nasceu em 19 de maio de 1957, em Quaraí, Rio Grande do Sul. Em 2006, Luíz Horácio publicou seu primeiro romance, Perciliana e o Pássaro com Alma de Cão, pela editora Conex. Tratava-se da primeira obra de sua Trilogia Alada, que teve prosseguimento com a publicação, em 2008, do romance Nenhum Pássaro no Céu, pela editora Fábrica de Leitura. A trilogia foi concluída em 2010, com a publicação de Pássaros Grandes não Cantam, pela Global Editora. Hoje vive em Porto Alegre-RS.

 

Sobre a Editora InVerso

A Editora InVerso surgiu em 2004, em Curitiba (PR), com o objetivo de oferecer ao público produções com qualidade gráfica e editorial dos mais diversos gêneros literários. Está presente nas principais livrarias do Brasill e também realiza distribuição e divulgação de produtos em toda a América Latina.

Com a missão de oferecer aos leitores um maior número de opções de títulos, a Editora InVerso tem em sua essência, além da característica de identificar e lançar novos autores no mercado literário, o relacionamento de proximidade entre escritor e editora. O catálogo de produtos da Editora conta com obras de literatura infantil e infantojuvenil, autoajuda, negócios, arte, fantasia, contos, romance, poemas, literatura histórica, educação financeira, diário, religioso, teatral, biografia, entre outros.

 

 

SERVIÇO

A Editora InVerso promove o lançamento de Doralina, livro de Luíz Horácio, dia 19 de maio, na Livraria Cultura, em Porto Alegre.

Data: segunda-feira, 19 de maio de 2014.

Horário: às 19h.

Local: Livraria Cultura do Bourbon Shopping Country, na Avenida Túlio de Rose, 80, loja 202, Porto Alegre.

ISBN: 978-85-62266-65-2

Número de páginas: 55

Tamanho: 15x21cm

Preço: R$28,00

Informações: pelo telefone (41) 3254-1616, pelo site www.editorainverso.com.br ou pelo facebook.com/editorainversoo.

 

Carlos Nascimento


domingo, 4 de maio de 2014

O VELHO CHICO E O VELHO ROSA


(Edmar Oliveira)

Com o propósito de visitar meu filho que está morando atualmente em Caetité[1], sul da Bahia, empreendi uma viagem pelos sertões do norte de Minas. Subi por Sete Lagoas e Janaúba para chegar à Bahia. Depois sai de Caetité para o oeste, em direção a Carinhanha, para topar com o Velho Chico e vim serpenteando as suas margens, ora à direita, ora à esquerda, com direito a travessia em barcaças.
Desde que o encontrei foram horas num areal sem fim para chegar a Manga, onde o atravessei para o lado esquerdo. Daí mais chão de terra até Januária, a lendária cidade mineira às margens do velho Chico. Viajava com minha velha e fomos recepcionados pelo meu amigo Daniel Magalhães, com direito a circuito em engenhos onde se fornece a pinga para a famosa cachaça Claudionor e as várias marcas de Januária. Compramos a pinga de cabeça direto do barril para as garrafas pets, que no sertão passaram a ser depositárias de tudo, inclusive o feijão de corda, já que a garrafa o livra da praga do gorgulho. Nas margens do São Francisco comemos o melhor Surubim que já comi, pescado nas poucas águas do rio que seca a olhos vistos, como se diz por ali.
Depois, margeando o rio, chegamos a Pirapora, cidade que já foi a capital do sertão mineiro, quando as gaiolas singravam o velho Chico: vapores fabricados no estrangeiro e que vinham desmontados até o trecho do rio onde fluía a navegação: de Pirapora em Minas até Juazeiro na Bahia, em frente à Petrolina, já em Pernambuco. Hoje ainda existe um ancorado em Pirapora[3], que foi fabricado em 1903 no Mississipi e que ainda queima lenha em passeios turísticos.
Máquina de escrever do Rosa
Mas o que me impressionou foi a lenta agonia do velho Chico. Em Pirapora as corredeiras não existem mais[4]. As pedras sufocaram o rio, em vez de serem lavadas por ele. O pessoal diz que essa é a pior seca e espera há anos por uma nova cheia, que não chega. E eu me perguntava: - vão transpor o quê, meu Deus do céu? A água nem cabe mais no seu leito, que mais se parece um leito de morte. Até me recordou a agonia do meu Parnaíba.
Saímos tristes de Pirapora e quando cruzei pela segunda vez o rio das Velhas, me lembrei que tinha me aproximado do Urucuia e estava andando de carro no sertão em que Riobaldo tinha perdido Diadorim à cavalo nas veredas da imaginação de Guimarães Rosa. Meu próximo porto foi Cordisburgo, onde nasceu o grande escritor mineiro, para visitar sua casa de infância, hoje um museu dedicado à sua obra[5]. E ali a literatura do velho Rosa se mostra tão grandiosa quanto a gruta de Maquiné[6], a gruta em que a natureza esculpiu o nosso Gualdi. As imagens mostram com perfeição.

Toda viagem é uma viagem também para dentro de nós.   




[1] Caetité, cidade que tem uma mina de urânio que o governo pensa em reativar. Ironicamente os ventos locais atraíram a indústria eólica. As turbinas rodam imperceptivelmente na paisagem de Caetité. Como curiosidade, o filho ilustre da cidade é Waldick Soriano.  
[3] O Benjamim Guimarães com mais de cem anos de uso.
[4] Pirapora em tupi-guarani significa “salto do peixe”. Temo também pela extinção do surubim.
[5] Há, em todo sertão mineiro, 95 marcos que está na obra de Guimarães Rosa. Minha amiga Fátima Lima já fez essa invejável viagem literária pelas veredas do sertão.
[6] Uma das referências de Rosa.
 

Gruta de Maquiné, uma das referências literárias de G Rosa
 

Brasília, 9 de maio

 
É na sexta, 9 de maio em Brasília com Chico Salles.
Teresina no fim do mês.

o coronel e a estrada nova


(Geraldo Borges)
 
O coronel  era contra o progresso que poderia vir com a estrada nova. A construção da rodovia poderia por em risco a sua autoridade. Não iria deixar que isto acontecesse. Nada de estrada nova para o seu município. Com uma estrada nova, boa, asfaltada, o caminho ia ficar aberto para gente estranha, botando banca, querendo ser mais importante do que ele.

Que ficasse  a estrada velha, do tempo colonial, cheia de buracos, ladeiras, precipícios ao pé da serra, por onde passam ainda os tropeiros, os mascates. A estrada velha está ainda servindo muito bem. Serve desde os tempos de seu pai, de seu avô. Não precisa mudar. Para que mudar se tudo está bem para ele, sua família e os apadrinhados?

Mas, alguém proclamava. Coronel com  a estrada, tudo fica mais perto. Que perto nada, homem de Deus. Eu quero e distancia da capital. Se chegar aqui uma estrada nova nós estamos perdidos.

Perdidos por que coronel? Eu vou perder o meu lugar na praça. Eles vão tirar os meus brasões dos ombros. Eles quem coronel? Os que chegarem pela estrada. Minha família vai deixar de mandar. Com a estrada nova vem o jornal, o radio, a televisão, aí vai começar a loucura total. Pode ser. Mas sem estrada seus filhos não vão querer mais voltar aqui. Estrada nova só se for quando eu  bater as botas.

Antigamente tinha o rio, que era um dos principais meios de transporte, lento, mais seguro. Ora, caudaloso, no inverno, ora, meio seco, no verão, com suas margens assoreados, e bancos de areia  desviando o canal. O tempo  dos vapores gaiola rebocando barcas, cargas e passageiros, passou. O rio ficou praticamente abandonado. Era preciso estradas, agora, para alavancar o progresso.

O povo queria estrada. Mas o coronel dava de ombro. Mordia os beiços Não se interessava. Falava, depois de soprar a fumaça do seu cigarro de palha enrolado por ele mesmo, com as pontas dos dedos. Meu avô andava a cavalo, meu pai andava a cavalo. Eu continuo na sela de meu burro, que é mais teimoso e resistente. E não quero nenhuma estrada que passe por aqui pelo meu terreiro.

As pessoas que ansiava pelo progresso, os mais jovens, começaram a sair da cidade em busca da capital, vencendo os tropeços da estrada velha, os buracos, as curvas, os precipícios, a ponte de madeira avariada, caindo aos pedaços.

No começo o coronel achou que eram duas ou mais pessoas da oposição. Não significava nada. Mas do meio para o fim começou a ver as casas vazias, virando taperas. Mato crescendo dentro, trepadeiras parasitas subindo nos telhados. Estava ficando sozinho. Ficou sozinho,  com a mulher e os seus serviçais e outros velhos de espinha empenada e que não tinham mais horizonte.

Os filhos que estavam morando na capital nunca mais apareceram. Quando o coronel morreu, o município mandou erguer, em sua memória, uma estatua equestre, ao lado do coreto. Justamente no mesmo dia em que  a cidade inaugurou uma estrada nova.

O coronel virou folclore. E aos  pouco a cidade começou a receber novos moradores, e ser visitada por turistas, que chegavam, rápidos, pelo asfalto. Metade da cidade está em ruína, com casas geminadas, e quintais mal assombrados.

Os guias turísticos contam a história de um homem importante que não queria que  uma estrada nova chegasse a sua cidade. Mas, um belo dia, o homem morreu. E a estrada foi construída. A cidade, hoje, atrai  as pessoas que amam o progresso; mas adoram contemplar coisas velhas, caindo aos pedaços. Ruínas.

Se a estatua eqüestre do coronel pudesse ouvir e entender o que estava se passando, cairia do cavalo.

Salgado Maranhão

ORDEM DA HORDA 6 (poemas para gritar)

O vizinho ainda o viu fugindo,
aturdido,
feito um ladrão
que rouba vidas.

Só mais tarde
a polícia encontrou o corpo da amante --
estripado: as vísceras em desalinho; ...
a vagina enfiada na boca.

Ó, Deus, estou com medo de mim!

SALGADO MARANHÃO

Léo Almeida

SEXTINA - Andei aprisionado no meu corpo
Uma pequena introdução ao poema. A Sextina é uma composição poética de forma FIxa, cuja invenção se atribui ao trovador provençal Arnault Daniel (xec. XII). É uma forma muito rara de poesia, tendo sido explorada por Camões, Diogo Bernardes, Goulart de Andrade. Devido a complexidade de sua estrutura e a rigidez absoluta de sua forma, a sextina é muito pouco utilizada como matéria de poesia e, por essa razão, um "bicho" em extinção. No geral compõe-se de uma sextilha de proposição, cinco sextilhas de desenvolvimento do tema e um terceto de remate. O que complica é o esquema dos versos que obrigatoriamente alternam as palavras finais em cada sextilha. No caso dessa minha sextina as palavras-chave são Corpo, Vida, Morte, Dia, Choro e Fria. Observem como vão se alternando em cada estrofe e como se juntam no terceto final. Um bom exercício para o cérebro.




Andei aprisionado no meu corpo
Curvado e triste e só, mascando a vida
Não via então que a vida assim é morte
Como se houvesse escuridão no dia
Eu, que em nada cria, hoje não choro
Nem temo a mão da noite, a morte fria.

No espelho eu não percebo a face fria
Que olha com desprezo o velho corpo
Pressinto dois em mim, por isso choro
Há um que encarna a morte, outro que é vida
Aquele é medo e noite, e este é dia
Do espelho, quem me fita é a morte

Não sei jogar xadrez, que venha a morte
E toque em minha face com a mão fria
Que venha armada em rósea luz do dia
Que hei de estar atento ao corpo a corpo
Que travaremos: ela, morte; eu, vida.
Aqui: não temo, não tremo, nem choro.

Por mim, que me perdi, é por quem choro
E não pela iminência da morte
Que é tão inevitável quanto a vida
Há sempre o sangue quente na mão fria
Existe alma fria em quente corpo
e a noite ainda persiste pelo dia

Estrelas se ocultam quando é dia
E o eu que ri é o mesmo quando choro
Este que vos escreve é alma e é corpo
E quando vos escreve enfrenta a morte
Pois quando lhe cobrir a laje fria
Nos versos declamados terá vida

Se para tanta arte é curta a vida
E para tanta dor é longo o dia
Eu devo almejar a boca fria
da má sorte? Beijando-a quando choro?
Pousá-la em minha cama, amante morte,
E nela repousar meu velho corpo?

Preso num corpo que rejeita a vida
cultiva a morte nas dobras do dia
Por isso choro essa lágrima fria

do blog
Poesia nos Dentes

Gabo

 
Gabriel Garcia Marques
Cem anos de solidão
Não apenas oitenta e sete
Pulsou em teu coração. 
Na aldeia de Macondo
Registras mil personagens
Com enredos de outro mundo 
Reverberando miragens. 
Ninguém escreve ao coronel
 No outono do patriarca
Outubro prêmio Nobel. 
 A tua morte se anuncia
Dos telhados de Aracataca
Trópico equador utopia.
 
(Geraldo Borges)

1 verso

A VIDA ÁVIDA

Para Paulo Leminski

Ávida
A vida se fez vívida

Numa pétala
Numa poça
Numa peça...
Num pano de prato
Num prego
Numa praga
Numa prega
Num átimo de um ato

Num gesto
Num jeito
Num centro de jarro
Num olé
Num olá
Num ok
Num santo de barro

Num sino
Num sim
Numa cena
Numa sina
Num canto da rua
Num rumo
Num remo
Numa rima
Num ralo
Numa quina da lua

Ávida
A vida se fez finda

(Climério Ferreira)

Gervásio

Pererinha, o produtor de eventos, segundo Gervásio:

profissão em Alta

Edmar Oliveira

Andando pelas ruas da zona sul do Rio de Janeiro você pode se deparar com um cara, ou uma cara, tentando conduzir, ou ser conduzido, por uma porção de cães. A primeira coisa que chama atenção é que o condutor, ou condutora, desses cachorros sai “pastorando” umas tantas raças diferente desses animais. Tem os totós muito pequenos, que são quase pisoteados pelos enormes, tem os mansos e os valentes, os que querem ir e os que empacam, quando não querem voltar. Você pode imaginar a aflição do responsável por essa irresponsabilidade na via pública?

            Outra característica da cena em questão é que o homem ou mulher condutores são muitos menos cuidados do que os conduzidos. Os cães são penteados, de coleira, cheirosos, bem vestidos, enquanto os humanos da profissão são muito mais maltratados. E ainda ficam em desespero tendo que apanhar bosta dos cagões, atividade sempre contagiosa no grupo de totós. E é um grande saco de lixo preto cheio de merda que o condutor carrega consigo, amarrado à cintura, já que as mãos estão ocupadas com tantas coleiras.

            E quando dois ou mais cães resolvem brigar, aí a atividade fica muito mais complicada. Já vi cenas em que o humano quase sucumbe no meio dos cães e eu ficava torcendo para que ele soltasse aqueles bichos nervosos. Mas o homem tinha que fazer o seu trabalho.

            Pois é, essa é uma profissão em alta na zona sul do Rio de Janeiro: “passeador” de cães! O profissional recolhe os cachorros nos apartamentos e junta todos para um passeio matinal que termina numa homérica cagada coletiva. E aqui o “politicamente correto” instituído obriga o profissional a recolher a merda dos cães para que não fiquem nas calçadas esperando um pé desprevenido.

            Fiquei a imaginar o que produzia a expansão dessa atividade. Geralmente o humano apegado ao seu cão sabe da obrigação de fazer o passeio matinal para a cagada diária. Ainda encontro uma ou outra madame, ou madamo, nessa atividade solitária. Seria o envelhecimento dos donos de cachorros que estaria incrementando a profissão do passeador? Seria um cansaço dos donos e a melhoria da situação econômica que puxou esse novo negócio?

Mas bem que podia ser a vergonha da exposição de tal situação. Tenho um amigo que filosofa dizendo que ao ver um humano solitário segurando a coleira do seu cão, aquele cara que só fala com o seu cachorro e mais ninguém, tem a impressão que essa é a última etapa da degradação humana. Meu amigo filósofo diz que um ser solitário que só vive para seu cão acabou enquanto humano. Há controvérsias. E pode ter exceções, mas que a tese é consistente, lá isso eu acho...        

cinema