domingo, 21 de novembro de 2010

EXTRA, EXTRA! MONTEIRO LOBATO CONDENADO POR ATO DE RACISMO É BANIDO DAS ESCOLAS!

Edmar Oliveira



Uma das (poucas) vantagens de ter já uma certa idade é poder compreender o ridículo a que se expõe moços recém instados a cargos públicos, que não conseguem enxergar a linha evolutiva do tempo. É como se assim fosse desde sempre. Explico-me: um burocrata do Ministério da Educação e Cultura (MEC) achou de censurar “As caçadas de Pedrinho”, obra consagrada de Monteiro Lobato, por racismo. Quem se enredou nas histórias do Sítio do Pica-Pau Amarelo lembra dessa: Narinho e Pedrinho organizam uma caçada a uma onça pintada que escondida nas mata de taquaraçus perto do sítio. Sem o conhecimento de tia Nastácia e Dona Benta, claro, pois reprovariam. Na aventura a onça faz tia Natácia subir numa árvore “que nem uma macaca”. Pronto: a preta Nastácia é comparada aqui a uma macaca em frontal ataque racista, atacou o censor do MEC sugerindo a proibição do livro nas escolas públicas. Nós, lá atrás na linha do tempo, vimos agilidade porque conhecíamos os macacos nas árvores e não a associação símio verso afrodescendentes, que para nós e o Lobato eram negros, sem nenhuma ilação feita pelo politicamente correto censor do MEC. Não era assim no passado. Aliás, o moço deve condenar a turma do sítio por uma caçada a uma onça-pintada, animal em extinção que deve ser protegido por leis ambientais severas. Não era assim também.



Quem nasceu no sertão em tempos passado lembra que a gente sabia que as lagartixas (ou labigós, no nosso piauiês) balançavam a cabeça nervosamente quando nascia um menino homem. É que uma das funções dos meninos naqueles tempos era caçar labigós com nossas baladeiras (estilingue no idioma português) e matar beija-flor para comer o seu coração, ainda sangrando, para ficar “guabes” (ter boa pontaria). E ninguém ficou psicopata por isso, apesar de, nos dias de hoje, isso ser considerado psicopatia. Não era assim. Não tinha o politicamente correto que foi se formando com o passar dos anos. A gente tinha era que “fobar” (gabar-se), dizendo ter matado um beija-flor, mesmo nunca tendo conseguido a façanha.



Lembro da vez que fui a Sete-Cidades, sítio arqueológico no Piauí, com meus filhos. As iguanas andavam entre os meninos com tanta calma e não me lembrava de quando eu era menino ter convivido com iguanas naquele mesmo lugar. Ora, imaginei, os moleques de ontem corriam atrás dos camaleões para matar (nas perversidades naturais de menino, que nós mesmos fomos educando de outra forma) e era natural que eles corressem de nós quando nos viam. Mudaram os camaleões e os meninos. Os tempos são outros. Mudou o mundo. Com certeza para melhor, pelo menos nesse aspecto. Portanto as aventuras do sítio eram noutro contexto e não da exigência politicamente correta de hoje. E não se pode julgar o passado com os costumes do presente, que lá não existiam. E se não existiam não podiam seres infringidos. Que os professores expliquem isso, se um chato politicamente correto perguntar.



E mais, o censor precisa saber que Monteiro se inspirou na Anastácia, babá querida de seus filhos, para criar o personagem. Só falta ele dizer que isso também é racismo: criar a empregada baseada na sua empregada afrodescendente. Lembro que os tempos são outros e naquele tempo tinha que ter uma tia Nastácia nas histórias, que eram da nossa realidade.



Aliás, essa sanha do “politicamente correto” é tão chata que republicamos o artigo abaixo, falando muito bem deste assunto.

O Cravo Não Brigou com a Rosa



Roberto Rabat Chame (Jornalista)



Chegamos ao limite da insanidade da onda do politicamente correto. Soube dia desses que as crianças, nas creches e escolas, não cantam mais O cravo brigou com a rosa. A explicação da professora do filho de um camarada foi
comovente: a briga entre o cravo – o homem – e a rosa – a mulher – estimula a violência entre os casais. Na nova letra “o cravo encontrou a rosa/ debaixo de uma sacada/o cravo ficou feliz /e a rosa ficou encantada”.
Que diabos é isso? O próximo passo é enquadrar o cravo na Lei Maria da Penha. Será que esses doidos sabem que O cravo brigou com a rosa faz parte
de uma suíte de 16 peças que Villa Lobos criou a partir de temas
recolhidos no folclore brasileiro?
É Villa Lobos, cacete!
Outra música infantil que mudou de letra foi Samba Lelê. Na versão daminha infância o negócio era o seguinte: Samba Lelê tá doente/ Tá com a cabeça quebrada/ Samba Lelê precisava/ É de umas boas palmadas. A palmada na bunda está proibida. Incita a violência contra a menina Lelê. A tia do maternal agora ensina assim: Samba Lelê tá doente/ Com uma febre malvada/Assim que a febre passar/ A Lelê vai estudar.

Se eu fosse a Lelê, com uma versão dessas, torcia pra febre não passar nunca. Os amigos sabem de quem é Samba Lelê? Villa Lobos de novo. Podiam até registrar a parceria. Ficaria assim: Samba Lelê, de Heitor Villa Lobos e Tia Nilda do Jardim Escola Criança Feliz.
Comunico também que não se pode mais atirar o pau no gato, já que a música desperta nas crianças o desejo de maltratar os bichinhos. Quem entra na roda dança, nos dias atuais, não pode mais ter sete namorados para se casar com um. Sete namorados é coisa de menina fácil. Ninguém mais é pobre ou rico de marré-de-si, para não despertar na garotada o sentido da
desigualdade social entre os homens.
Dia desses alguém [não me lembro exatamente quem se saiu com essa e nãoprocurei a referência no meu babalorixá virtual, Pai Google da Aruanda] foi espinafrado porque disse que ecologia era, nos anos setenta, coisa de viado. Qual é o problema da frase? Ecologia, de fato, era vista como coisa de viado. Eu imagino se meu avô, com a alma de cangaceiro que possuía, soubesse, em mil novecentos e setenta e poucos, que algum filho estava
militando na causa da preservação do mico leão dourado, em defesa das bromélias ou coisa que o valha. Bicha louca, diria o velho.
Vivemos tempos de não me toques que eu magôo. Quer dizer que ninguém mais pode usar a expressão coisa de viado ? Que me desculpem os paladinos da cartilha da correção, mas isso é uma tremenda babaquice. O politicamente correto é a sepultura do bom humor, da criatividade, da boa sacanagem. A expressão coisa de viado não é, nem a pau (sem duplo sentido), ofensa a bicha alguma. Daqui a pouco só chamaremos o anão – o popular pintor de roda-pé ou leão de chácara de baile infantil – de deficiente vertical . O crioulo – vulgo
picolé de asfalto ou bola sete (depende do peso) – só pode ser chamado de afrodescendente. O branquelo – o famoso branco azedo ou Omo total – é um cidadão caucasiano desprovido de pigmentação mais evidente. A mulher feia – aquela que nasceu pelo avesso, a soldado do quinto batalhão de artilharia pesada, também conhecida como o rascunho do mapa do inferno – é apenas a dona de um padrão divergente dos preceitos estéticos da contemporaneidade. O gordo – outrora conhecido como rolha de poço, chupeta do Vesúvio, Orca, baleia assassina e bujão – é o cidadão que está fora do peso ideal. O magricela não pode ser chamado de morto de fome, pau de virar tripa e Olívia Palito. O careca não é mais o aeroporto de mosquito,
tobogã de piolho e pouca telha. Nas aulas sobre o barroco mineiro, não poderei mais citar o Aleijadinho.
Direi o seguinte: o escultor Antônio Francisco Lisboa tinha necessidades especiais… Não dá. O politicamente correto também gera a morte do apelido, essa tradição fabulosa do Brasil.
O recente Estatuto do Torcedor quer, com os olhos gordos na Copa e 2014, disciplinar as manifestações das torcidas de futebol. Ao invés de mandar o juiz pra putaqueopariu e o centroavante pereba tomar no olho do cu, cantaremos nas arquibancadas o allegro da Nona Sinfonia de Beethoven, entremeado pelo coro de Jesus, alegria dos homens, do velho Bach.
Falei em velho Bach e me lembrei de outra. A velhice não existe mais. O sujeito cheio de pelancas, doente, acabado, o famoso pé na cova, aquele que dobrou o Cabo da Boa Esperança, o cliente do seguro funeral, o popular tá mais pra lá do que pra cá, já tem motivos para sorrir na beira da sepultura. A velhice agora é simplesmente a “melhor idade”.
Se Deus quiser morreremos, todos, gozando da mais perfeita saúde. Defuntos? Não. Seremos os inquilinos do condomínio Cidade do pé junto.

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garimpado da internet por Claudia Pereira. Espero que os créditos estejam corretos

Minha Sombra

Geraldo Borges

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Minha sombra acompanha-me tranqüila

Mas a sombra ao sol a sombra é outra

Que de noite se recolhe em minha argila

E se desfaz em fragmentos de posturas

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Às vezes pela mão em uma avenida

Conduz-me por um lago azul de cisne

E faz troça do meu amor e arrependida

Propõe-me um oráculo e uma esfinge.

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Embora queira mudar o meu destino

Está sempre pisando nos meus pés

E afagando o meu dorso de felino.

.

A minha sombra é meu encantamento

Que me assombra e me olha de viés

Por que além da verdade é fingimento.

.



Ganha-Pão





1000TON





Seria possível estabelecer-se alguma conexão entre um mecânico de máquinas de lavar, a ferida de um pobre indigente, uma empresa de dedetização e um recém-formado advogado?



Siga-me raro e caro leitor de meus medíocres artigos e constatarás que não são estapafúrdias as comparações que virão a seguir:



Dona Ermelinda possuía uma velha máquina de lavar roupa, era mesmo do “tempo do onça”, uma Westinghouse para 12kg de roupa. Seu Firmino sempre dava seu jeitinho de manter a geringonça nos trinques, sabedor do amor da patroa pela amiga e companheira da lufa-lufa diária.



O mecânico, não se sabe como, ou canibalizando peças de ferro-velho ou até fundindo peças de reposição, ia fazendo seu pezinho de meia, à custa dos reparos, quase quinzenais, da “velha senhora”.



Um belo dia Seu Firmino quase teve um “troço”!



Dona Ermelinda apaixonou-se por uma novinha em folha Brastemp...



Numa esquina de Copacabana com muito movimento, lá pelos idos dos anos 70’, passa um médico e fica comovido com o sofrimento do mendigo, perna com ferida exposta. Morador da área com consultório nas imediações ofereceu seus préstimos para curá-lo e recebeu a seguinte resposta:



_ Seu Dotô, se o senhor me dá uma esmolinha e se há de ter uma pomadinha pra aliviar a dor desse pobre esquecido por Deus, eu aceito sim. Agora, de primeiro, num posso sair daqui não, porque se eu saio, vem logo um “colega” e pega meu ponto. E dispois, se eu acabar com a “fedegosa”, aí sim, é que eu vou morrer de fome mesmo, sabe? Com tanto concurrente, quem é que vai ficar com pena de mim, Seu Dotô?



Raimundinho trabalhava para o Seu Joaquim numa pequena casa de dedetização ali na rua larga e não estava lá muito satisfeito com a merreca que ganhava. Percebeu logo que, como todas as outras firmas do ramo, o bom negócio ERAM os insetos, e não ACABAR com os insetos...E aconteceu uma coisa engraçada:



O portuga, que tinha o coração mole, não com os seus empregados, claro, que são uns molengas, como dizia, viu na televisão aquela propaganda de um inseticida. Lembram? Aquele que uma baratinha, coitadinha, implorava: Não! Rodox não! É covardia! Rodox não! Pois é, mudou de ramo, com pena de todas as milhões de baratinhas que matou durante 30 longos anos. Resultado: o Raimundo e mais uns companheiros conseguiram comprar a lojinha do seu Joaquim. Um deles tinha um nome muito esquisito, Zoroastro. Raimundo, que não era bobo nem nada, arrumou logo o nome e o slogan do novo negócio: DDTIZAÇÃO ZOROASTRO, MATA TUDO E NÃO DEIXA RASTRO!



A última história é aquela velha conhecida, a do recém-formado. Marcelinho, agora, lia com orgulho na placa de bronze em cima da sua vistosa mesa: Dr. Marcelo Botelho Pederneiras ADVOGADO.



No escritório novinho que o papai, também advogado, montou para ele, ainda tinha o cheiro de verniz dos armários e prateleiras repletos das coletâneas mais caras e mais raras do mundo jurídico, havia também secretárias gostosas de tailleur e mini-saia, tudo, tudo.



Assaz dedicado, trabalhava com afinco, afinal de contas tinha que mostrar para o pai a sua competência quando, um belo dia, o velho abre abruptamente a porta, sem bater, e vomita aos berros:



_Seu imbecil, seu safado! Eu gastei os tubos para montar este império e você, seu canalha mal agradecido, termina com aquele inventário que eu mantive, a duras penas, durante 45 longos anos!...



E segue a vida:



Lá embaixo da pirâmide a maioria come o pão-que-o-diabo- amassou. Muitos comem pão-dormido. A grande massa trabalha duro para ganhar o pão-nosso-de-cada-dia, enquanto muito poucos, lá no ápice, arrotam brioches.


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Baratinha do Valbercy Ribas








Sereno...

Ana Cecília Salis



É quando a chuva fina
e fria..
se parece ao fio da navalha...

e machuca a pele...
tal como palavras

poucas
e pequenas palavras...
que caídas a esmo

choram mais que mil chibatadas...

pequeno oásis



Cinéas Santos

PERGUNTAS, PERGUNTAS?

Simão Curuca



Sei lá...
Sei nada.
Será que me cegaram o IAPI da Penha
Estupraram minha resistente utopiazinha
Assassinaram o menino bobo
Quebraram a generosidade do velho tolo

O que atrevessa meus olhos
O que arranha os recôndidos do que chamam alma
O que me coisifica, o que me glorifica
O que me emputece, o que me esclarece

Tava lá moleque, paralisado na voz, nos olhos, nos quase gestos...
paralisado nos sonhos. Nos sonhos?
Tava lá, na Figueiredo Magalhães,
esquina com Siva Castro,
o desempregado vendendo cajuzinhos.


(e eu que dei duas merrecas ao moleque
e tive vergonha de comprar os doces do desempregado,
e eu que chorava depois, tomando domecqs,
a miserabilidade dos seres
a onipotência dos haveres,
e, de porre, esgrimia meu ódio inútil
e minha fútil humanidade
e chafurdava em minha própria miséria
e me crescia em descrenças e desavenças
e me diminuia em gênero humano)


Sei lá..
Sei nada.

Não fossem as meninas
que mandam flores virtuais
que me falam de jabuticabas
e mandam o Enem tomar no cu,
o que seria d'eu?
A não ser o cão das lágrimas de Saramago
O que lambe prantos
E mantém a zoohumanidade entre despojos de lixo e cadáveres.



nota des/necessária:
1. a metáfora das jabuticabas, embora linda, tem tantos "donos", inclusive de um Pastor, que me parece do bem, chamado Ricardo Gudim (acho que é este o nome) que realmente não sei a origem; tendo a acreditar no Mario de Andrade;
2. as flores vituais mandei-as aos meus amigos; meu irmão Edu respondeu com a mesma emoção que aquelas violetas virtuais suscitaram;
3. a referência ao Enem é da minha filha, que, graças aos céus, só puxou ao pai nos palavrões. Podia ser pior;
4. como já não tenho idade para a boiolagem, acho mesmo é que estou ficando babaca.

Clara Mello



Clarinha é filha de Patrícia Mellodi. Portanto, convoco os piauiseiros para estarem lá.

Mário Quintana



BILHETE

.
Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

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Caricatura de Netto no Picinez

Resgate so Nós & Elis



Deusval L. Moraes




Cheguei em Teresina em março de 1985. Naquela época, o bar Nós & Elis já havia se firmado como point de frequentadores de vários matizes: intelectuais, artistas, políticos, profissionais liberais, estudantes, boêmios, etc.

Claro que, com qualidades tão inovadoras, passei a frequentar assiduamente o Nós & Elis até os seus estertores em 1994. O Nós & Elis nos deu oportunidade de fazemos amizades, encontrarmos com as pessoas o conhecermos novos talento piauienses. O tempo passou e ficaram gravadas na minha memória inesquecíveis lembranças do bar, até que me deparei na banca de revista com o livro organizado pelo jornalista Joca Oeiras “No Nós & Elis: A gente era feliz – e sabia”, que tornaram ainda mais vívidas todas as minhas lembranças dos fatos e acontecimentos vivenciados e ocorridos naquele estabelecimento de entretenimento.

O jornalista Joca Oeiras, que não conheceu o bar, fez um trabalho primoroso; foi atrás dos tradicionais frequentadores e, como arguto escritor, organizou uma coletânea de textos e crônicas que se transformou numa obra deliciosa. O Nós & Elis era um ambiente saudável, aconchegante, acolhedor, social, performático, politicamente correto, além do expressar manifestações artísticas e culturais de vanguarda, ou melhor, era uma casa que aliava a boemia com produção cultural. Como casa noturna de esquerda (criada à imagem e semelhança do saudoso Elias Ximenes do Prado Júnior, posteriormente deputado estadual pelo PDT) também era frequentada pela direita, e por isso tornavam as discussões políticas bastante acaloradas. Lá também era ponto de encontro social, onde flertes, namoros, noivados, casamentos e desilusões amorosas também aconteciam.

No Nós & Elis desfilaram vários artistas, como Geraldo Brito, Edivaldo Nascimento, Aurélio Melo, a família Fonteles, Roraima, Carlos Ramos, Patrícia Melo, Netinho da Flauta, grupos Candeia e Varanda, entre outros, transformando-se num marco da cultura piauiense, com manifestações de várias tendências artísticas, como quarta poética, representações teatrais e humorísticas, no mesmo clima de abertura política vivida naquele período no Brasil. Não poderia deixar de destacar aqui o músico sanjoanense Netinho da Flauta, de saudosa memória, que praticamente fez do bar Nós & Elis a sua casa, e que por sentir-se em casa fez lá apresentações memoriáveis, era sem dúvida nenhuma um dos artistas mais identificados com o Nós & Elis, flautista de raro talento, mas que muito cedo nos deixou, ficando na nossa lembrança o som afinado da sua flauta.

Por tudo isso, foi uma grande sacada do jornalista Joca Oeiras em produzir a obra “No Nós & Elis a gente era feliz – o sabia” por resgatar um espaço que se tornou referência de uma geração de piauienses no processo de redemocratização do País, além, naturalmente, de prestar uma grande homenagem ao seu idealizador Elias Ximenes do Prado Júnior, que, sem o seu espírito efervescente, o bar Nós & Elis jamais teria atingido a magnitude que alcançou e por via de consequência, teria ensejado produzir-se tão magistral livro.

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Paulo José Cunha

poemicro

A MORTE PRECOCE

Os que morrem cedo nunca saberão
Como eram tolos seus receios

(Climério Ferreira)

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Espaço Torquato Neto: a mais nova atração turística de Teresina



Paulo José Cunha




Quando for a Teresina não deixe de visitar o Espaço Torquato Neto. Fica num daqueles casarões antigos, ali no centro da cidade, desapropriado para acomodar a lembrança de um dos melhores representante da poética brasileira contemporânea. Lá você vai entrar em contato com textos, fotos, documentos, rascunhos, desenhos e raridades do “Anjo torto da Tropicália”. Vai poder acompanhar a evolução de alguns textos, desde o primeiro lampejo até o verso definitivo de algumas das canções mais importantes da música popular brasileira da segunda metade do século passado. Vai conhecer o artista multimídia Torquato Neto, através da exibição permanente de vídeos-documentários sobre ele ou inspirados em sua obra. Vai ver e ouvir depoimentos sobre o poeta, dados por parceiros, poetas, músicos, cineastas, artistas plásticos, designers gráficos, amigos e parentes. Vai ter acesso à obra do poeta organizada de forma a que o visitante entenda a evolução do pensamento de TN desde o início de sua produção, na Teresina dos anos 50 até seu suicídio, em 1972. O Espaço Torquato Neto é uma das mais simples – e também das mais arrojadas – concepções destinadas à perpetuação da obra e do espírito inquieto de um artista que não sai de moda, que continua desafinando o coro dos contentes e influenciando gerações e gerações de artistas pelo Brasil e pelo mundo.
A característica mais moderna e curiosa do Espaço Torquato Neto é que ele não é um museu, no sentido de ser um memorial onde se guardam as lembranças de um personagem, como o Memorial JK ou o Abraham Lincoln Museum. O Espaço TN, ao contrário, é uma usina de criatividade, onde artistas de todas as áreas fazem exposições ou ministram, em rodízio ou simultaneamente, oficinas de poesia, composição, cinema, vídeo-arte, computação gráfica, mídias interativas, arte cibernética, percussão, fotografia, teatro, cordel etc. Algo como o Espaço Hélio Oiticica, no Rio de Janeiro (Hélio, aliás, foi um os grandes amigos de Torquato e foi quem o convenceu a exilar-se em Nova York quando as ameaças do Comando de Caça aos Comunistas começaram a preocupar seriamente o poeta).
Enfim, o Espaço Torquato Neto é dessas atrações turísticas que se tornam obrigatórias. Provavelmente Teresina, a cidade onde Torquato Neto nasceu, não tivesse a projeção turística que tem hoje se não houvesse o Espaço Torquato Neto, que estabeleceu um link definitivo entre a bela e calorosa capital piauiense e o melhor das vanguardas das mais diversas áreas. Eu próprio, que sou de lá, quando visitei pela primeira vez o Espaço, fiquei profundamente emocionado. Eu, que convivi direta e intimamente com Torquato, senti-me como que embarcando numa nave do tempo, e reencontrando o primo e amigo naqueles tempos em que, apesar da barra pesadíssima, a criatividade estava à flor da pele, entre tropicálias, geléias, festivais e bananas ao vento.
O texto acima é profundamente verdadeiro não fosse por um detalhe quase imperceptível: o Espaço Torquato Neto (ainda) não existe. E não existe porque apesar dos apelos dirigidos por mim aos prefeitos e governadores, nas últimas três décadas, nenhum deles teve a iniciativa de colocar o projeto em pé. Provavelmente não entenderam que, qualquer que seja o governante a concretizá-lo, estará associando seu nome à palavra Futuro, uma vez que a obra de Torquato Neto continua a ser uma das mais provocativas no panorama poético e musical brasileiro, e como já foi dito, não sai da moda.
Há poucos dias estive em Teresina e, junto com o primo George Mendes, passeamos a vista e a memória por dentro de um pacote de inéditos do poeta, que a viúva Ana Maria Duarte mandou do Rio de Janeiro. Textos datilografados, manuscritos, letras de músicas, fotografias, esboços e até desenhos daqueles que a gente faz distraidamente nas páginas de caderno estão lá, aguardando apenas que o atual ou o futuro governador, o atual ou o futuro prefeito acordem para a importância dessa obra e criem um local onde tudo isso possa ser visitado e conhecido. É bom lembrar que o interesse e a curiosidade por Torquato permanecem os mesmos, atestando a atualidade e a permanência de sua obra. O poeta estaria completando 66 anos. Que tal iniciar – agora – o projeto do Espaço Torquato Neto? Como ele mesmo diria, com aquele jeitão que deixou saudades: Câmbio, governador! Câmbio, prefeito! “Este menino crescido, que tem o peito ferido, anda vivo, não morreu”!

Macalé e Paulo José interpretam Torquato


Essa edição veio cheia de Torquato (9 de novembro de 1944 - 10 de novembro de 1972) por ser o mes da vida e morte do poeta.

domingo, 7 de novembro de 2010

3 em 1



por Gervásio




por Netto





por Latuff

Tropa de Elite, o filme 2



Desta feita o capitão Nascimento não é o desejo do mal do filme anterior. Ele se humaniza em nós: enche de porradas o Álvaro Lins/Itagiba, denuncia os podres do Governador Garotinho\Rosinha\Cabral (que é tudo igual), expõe com competência a palhaçada e a picaretagem miliciana de Wagner Montes/Datena, prende o Jerominho\Natalino, se identifica com o deputado Marcelo Freixo (até deixa o cara comer sua ex-mulher para ficar mais parecido com ele), mas o Nascimento não é real. O Nascimento do Tropa 2 parece um arrependimento cristão do Padilha, diretor do filme. Que se não consegue matar o alter-ego de super-herói politicamente incorreto, mata seu amigo negro, o aspira André, que saiu da favela pra estudar na PUC e tava devendo ao "sistema".


Tecnicamente o filme é bom, e convoca ao aplauso cenas do correto 2, da mesma forma que convocava no 1, o politicamente incorreto. E que contribuiu para a esquerda achar o primeiro filme fascista, tendo saído da discussão do filme para a representação que ele criou nos espectadores. Mas ele era muito mais cinema que o 2. O Tropa 2 parece uma alegoria ao que conhecemos dos noticiários dos jornais. Se o Padilha chama atenção para a realidade, ao mesmo tempo converte o personagem de ficção num admirador do herói real, o deputado Freixo, que convocou uma CPI e ajudou no desmascaramento das milícias como um remédio muito pior que a doença. O agora tenente-coronel Nascimento chega mesmo a admitir que o BOPE tem culpa na formação das milícias e parte para uma briga com a sua consciência submetendo o personagem de ficção à realidade.


Agora que quase tudo é real no Tropa 2, o tenente-coronel Nascimento, subsecretário de Segurança, fica muito parecido com o tenente-coronel Saraiva Júnior que foi flagrado com uma carteira falsa de policial e participava da cúpula da Segurança Pública do Rio de Janeiro, chegando mesmo a representar o bom Beltrame, Secretário de Segurança do Rio, em reuniões oficiais. Como a arte imita a vida (ou o contrário) o tenente-coronel Nascimento antecipou o surgimento no real do tenente-coronel Saraiva Junior, que era um militar falso.



No tropa 2 falso é o capitão Nascimento por ter saído do Tropa 1, obra de ficção, para a realidade.


Republico abaixo a critica que escrevi sobre o filme Tropa de Elite, o primeiro, obra de ficção de verdade. Na época fui atacado por defender o filme fascista. Comparem as crônicas e os filmes.


Equívocos da Tropa



Edmar Oliveira




Vi uma entrevista do José Padilha na TV em que ele dizia ser um cidadão politicamente inviável: - “Fui acusado de ser radical de esquerda em ‘174’, por fazer o filme do ponto de vista do bandido. Agora sou acusado de radical de direita por ‘Tropa de Elite”.



Não concordo com este julgamento. Padilha é viável como um radical do cinema-documento. Ele e seus pares, destacando Marcos Prado na produção desse filme e que foi o cineasta-verdade do cortante “Estamira”, são responsáveis por boa parte da safra preciosa do cinema nacional contemporâneo. O cinema deles é bom. Este é um ponto.



Agora, Padilha, obra de arte é coisa sobre a qual não se tem controle. Depois que ela cai na boca do povo é que ressoa no autor reformada ou deformada como um corpo estranho. Na música, por exemplo, a linda “Sabiá”, de Chico e Tom Jobim, foi vaiada no papel de uma canção alienada, no momento que se estava precisando contestar a ditadura. “Pra não dizer que não falei das flores”, do Vandré, virou uma bela canção de liberdade, apesar da pobreza melódica em tom de canção marcial. Brigas da arte com o seu tempo. No cinema, Clint Eastwood, ao levar seu cowboy, bem formatado por Sergio Leoni, para a São Francisco do século XX, no personagem Dirty Harry, colou sua mensagem no justiceiro durão. Bem ao gosto do público americano, que aplaudiu também o canastrão Charles Bronson ou o bom ator Bruce Willis travestidos em coisas do tipo “Duro de Matar”. Só depois que escapou desta “aprovação popular”, na qual o personagem era mais importante que o filme e o ator, Eastwood é reconhecido como um mestre da direção em clássicos como “Os Indomáveis”, “Entre Meninos e Lobos” e “Menina de Ouro”. O problema do “Dirty Harry”, que teve continuações, era a “mensagem” do personagem que interessava ao público muito mais que a obra e o ator.



Parece que autores e atores de “Tropa de Elite” foram surpreendidos por esta mensagem da força do Capitão Nascimento. Famosa é a declaração de Vagner Moura, que sentiu náuseas com sabor do pastel de cordeiro da festa de estréia, por se dar conta de que as barbaridades do seu personagem excitavam a platéia. Padilha declarou que, na sua escala de valores éticos, a tortura é pior que a corrupção. Mas o filme faz sucesso aí, no “Dirty” Nascimento. E não importa se Bruce Moura ou Vagner Bronson, o público tirou da tela, para dar vida própria, foi o “Nascimento Duro de Matar”. E a partir deste momento, o filme deixa de ter importância como obra de arte e passa a ser apenas um veículo para uma discussão política e social.



Ninguém se deu conta que tinha uma multidão desejosa de um herói do tipo Nascimento. E ele nasceu para delírio e gozo da tropa de equívocos, vítima e algoz da falta de segurança desta grande metrópole. O Capitão fala na primeira pessoa: faz uma ilação simplória entre ONGs e intelectuais com o tráfico; separa os corruptos dos justiceiros durões; acha inevitável para a segurança de uns, ser necessária a insegurança de outros (os da zona do conflito, os mais pobres); entende que se a culpa é evidente, o justiçamento se justifica; a tortura pode ser usada para manifestar a evidência. Enfim, Moura dá vida a um Capitão do Bope, com sua visão idiossincrática da realidade. O problema é que ele sai da tela, toma vida e representa uma tropa sedenda de justiça rápida, mesmo que alguns erros possam ser cometidos. Ainda mais que estes erros não são tão graves, pois há indícios de relações: quem mora na favela conhece o tráfico, quem usa drogas ou não se importa permite o tráfico. No fundo, eu e o Nascimento estamos livres destas relações perigosas e protegendo a sociedade de iguais a nós. Caveira!



Agora, incidindo no mesmo erro dos que acham o filme bom por gostarem do Nascimento, há, no outro extremo, quem ache o filme ruim por discordarem do personagem. E estes não vêem o ator, que é muito bom, nem o filme, obra digna de um grande cineasta. O julgamento da direita e da esquerda não está na tela. As duas saíram do filme para brigar na platéia. E é claro que aqui fora precisamos de posições firmes do diretor e dos atores sobre as conseqüências do filme, no papel do cidadão politicamente viável. Separando o filme das conseqüências.



Estamos numa encruzilhada. O ovo da serpente está no ninho. O filme pode contribuir para a discussão do problema e ajudar a mostrar o equívoco do Capitão Nascimento. Como um bom filme, que mostrou esse equívoco simplista da resolução de problemas complexos pela via da repressão policial. Ou se deixar levar pelo personagem e seu sucesso e fazer o nascimento da serpente da vingança, com continuações indecorosas para a TV. São as conseqüências fora da tela que vão determinar os papéis do filme no imaginário do presente momento político. Estes papéis, que podem ser assumidos no presente, em nada abalam a consistência da obra de arte no futuro, afinal “O Nascimento de uma Nação” de Griffith, cinematograficamente é muito bom... (e com trocadilhos, por favor).



06/10/2007

Brasilíada









Gervásio







Nicolas Behr, o maior poeta candango, em lançamento do livro no Rio de Janeiro, na última quarta. Procurem o livro nas livrarias: Brasilíada, Lingua Geral, RJ, 2010.




o primeiro mito

de brasília

é jk



o segundo, renato russo



o terceiro mito sou eu



mas isso

vocês não sabem

porque ainda não morri







Um ilustre ladrão de livros

Geraldo Borges



Hoje, saí pelas ruas da minha cidade, com a firme determinação de visitar os sebos e as livrarias para comprar livros, perdão, melhor dizendo, furtar. Mas, primeiro, devo esclarecer. Não é qualquer livro que merece ser furtado. Os auto ajuda estão na moda, mas para mim, não valem nada, embora o livro sempre valha alguma coisa. Eu comecei a furtar livros muito cedo, desde a minha infância, desde o dia em que li em uma livraria a orelha de um livro que dizia: se você não pode comprar este livro, por favor, furte- o. Furtei- o. Deu certo. Aí descobrir a minha vocação.



De lá para cá me tornei um ilustre ladrão de livros, coisa que pratico no anonimato, e que agora estou trazendo à luz. A sorte é que nunca me apanharam. Ou, quem sabe, pode até ter acontecido que um livreiro humanista tenha me pego com a boca na botija e não tenha dito nada. Tudo pode acontecer no mundo dos livros. Uma vez furtei um livro, faz muito tempo, na livraria de um amigo – A arte de furtar. Pensei que pudesse apreender alguma coisa com ele. Nada. Não apreendi nada. Um bom ladrão tem que ser autodidata, aprender com a experiência.



A esta altura algum leitor bisonho está querendo me censurar, Deve ser um cara insensível. Quem nunca furtou um livro que atire a primeira pagina. Não sou a única pessoa a fazer isto. Tive muitos amigos que me pediram livros emprestados e nunca mais tiveram a dignidade de me devolverem. Considero isto um furto descarado. Mas tudo bem. Ladrão que rouba ladrão. Caso eu fosse listar o nome de livros que eu emprestei e nunca retornaram as minhas mãos não haveria espaço nesta página, e dariam para formar uma biblioteca. Mas tudo bem. Vamos furtar livros È uma pratica intelectual que não faz mal a ninguém,



Após todas estas reflexões pelas ruas e esquinas da cidade cheguei a um sebo, e olhando as estantes mal arrumadas me deparei com uma edição antiga do romance Guerra e Paz. Não vou ficar em paz enquanto não leva lo comigo. Sempre conduzo à tiracolo uma bolsa de pano de aspecto rústico, artesanal, justamente para facilitar o meu serviço Ainda bem que os três volumes do romance são exemplares de bolso, e estão unidos por uma corrente plástica



Uma vendedora se aproxima de mim e me pergunta. Posso ajudar. Eu penso comigo. Pode desde que fique cega. Obrigado. Estou apenas olhando sem compromisso. Ela se afasta com um sorriso nos olhos, desatenta. Outro vendedor esta atendendo um freguês. O momento oportuno é agora. Sem titubear, como quem desfere um golpe de espada empalmo a grande historia do povo russo, com a ajuda do general inverno, e da derrota de Napoleão, e num rasgo de coragem coloco o romance dentro de minha bolsa de pano. Um risco tremendo. Uma guerra. Suspiro aliviado. Disfarço. Estou em paz. Mais uma vitória em minha missão. Quem quiser sentir a mesma sensação é só entrar em minha pele. Em tudo é preciso agir com método e precisão. É o que faço. Precisamos ter como principio que na rua ninguém presta atenção ao seu semelhante, todo mundo está andando em torno de seu umbigo. Claro que eu não vou revelar o meu método.



Tenho me saído muito bem até hoje. Sou um cara honesto. Um cidadão respeitável. Costumo devolver os livros que me são emprestados. E sei que não é crime furtar livros, desde que seja para o seu uso próprio. E sei também que o preço dos livros são um absurdo Os livreiros são muito ambiciosos, e o pobre do leitor é quem paga. Minha biblioteca é constituída de livros autografados por amigos, alguns escritores, poucos comprados. È um patrimônio maravilhoso para quem tem bom gosto e sabe que a leitura é um processo criativo que nos conduz a muitas revelações. Este patrimônio vai ficar por aí com os meus herdeiros. Ou quem sabe eu o doarei a uma fundação respeitável que saiba fazer bom proveito dele.



Boa parte do comercio de livro hoje está entregue nas mãos da pirataria, o que não deixa de ser um novo caminho na historia do livro com muitas encruzilhadas pela frente. Caso um dia me peguem furtando livros, com certeza, saberei argumentar em minha defesa. E o livreiro rendido a minha conversa me deixará levar o livro como cortesia. Talvez possa até me favorecer com um autografo.



Na volta para casa, depois desta minha última aventura livresca, tive uma surpresa ao entrar no metrô. Encontrei, no banco onde me instalei,um exemplar da Divina Comedia, Peguei o livro e fiquei folheando. Um rapaz que estava a meu lado não disse nada. Na próxima estação ele saiu. Continuei lendo o livro. No meio do caminho da nossa vida. Quando cheguei à minha estação abandonei o livro no mesmo lugar como se ele fizesse parte daquele trem.



E senti que chegaria um dia em que não se precisaria mais furtar livros. Pois eles estariam ao nosso lado por toda parte. Bastaria o leitor estender a mão.

Na Carne




Ana Cecília Salis

Não preciso mais do que
UM homem,
Apenas um...
Que me inspire respeito,
Que me olhe nos olhos,
Que me vire do avesso,
Que me enxugue o rosto
Do suor e da lágrima...
Que me faça menina,
Que me queira a mulher,
Que me passe a língua
Que me faça corar...
Que me dê filhos,
Que divida comigo,
O bem e o ruim
Que jamais me abandone
Ainda que se vá...
Que me retribua a entrega
Que caminhe comigo
Que aposte nos dias
E que não desista
Ainda que na carne sofrida...
Dessa difícil arte
De amar...

Poeta



Paulo Tabatinga

Preto no Branco, e confirma







Confesso, estou muito apreensivo quanto ao resultado das eleições, muito mesmo. Por isso resolvi marcar, a cinco dias do pleito, uma audiência com Preto Velho Benedito, aquele que já dizia, “felicidade também mora na Bahia”.



Você, caro e raro leitor, deve estar perguntando: mas como ele te recebe assim, se a agenda dele está sempre lotada?



A resposta é: tenho laços muito fortes com ele, vou contar por que:



Certa vez Preto perdeu o seu cajado de jacarandá da Bahia. Aliás, ele não perdoa o Oscar Niemeyer, nem o Sérgio Rodrigues, muito menos o Zanini pelo uso indiscriminado dessa nobre e belíssima madeira nos seus ambiciosos projetos, tendo provocado o seu completo desaparecimento.



Ora vejam só o que é o destino!... Foi suprema sorte, a minha, ter encontrado o “cajado sagrado” numa das matutinas caminhadas pela praia de Botafogo. Você vai me chamar de mentiroso, mas eu não ligo, vou contar a história até o fim, doa a quem doer, digo, ria até a barriga doer...



Os olhinhos do Velhinho brilhavam de emoção quando bati à porta de sua humilde choupana e entreguei-lhe, emocionado, o seu querido e inseparável cajado mágico, dádiva secular de seus antepassados negros escravos africanos.



Então o Velho me contou como o havia perdido. Disse-me que escolheu aquela praia para fazer o seu despacho, um ritual que não envolve, absolutamente, nenhum utensílio e alimento, normalmente oferecidos às divindades. O “despacho” de Benedito é feito sempre em noite escura de lua nova. Apoiado de joelhos no seu cajado, pede a benção divina pela paz da humanidade, voltando suas preces ao firmamento onde, segundo ele, vive o seu guia supremo O Senhor Criador de Todas as Coisas e da Natureza.



Nessa noite aconteceu que quase a ronda noturna dos meganhas pegou Ele. Esses caras, como se sabe, adoram convidar pretos e pardos para dar uma voltinha grátis nos camburões, com direito a umas porradas no pé do ouvido, para confessar alguma coisa que fizeram, não se sabe o que, mas fizeram...



Preto Velho teve que sair correndo, ou melhor, voando no redemoinho do Saci-Pererê, quem sempre o auxilia nos momentos difíceis, esquecendo o seu cajado para trás. Além de recebê-lo de volta, pelas minhas mãos, ficou muito agradecido, também, por dois artigos aqui publicados no Piauinauta, onde o Velhinho foi citado (meu raro e caro leitor deve lembrar-se deles).



Ademais, Ele já tinha ouvido falar no Dr. Edmar das Oliveiras, pelos serviços prestados em prol da saúde mental. Benedito tem conhecimento de que a maioria das internações em hospitais públicos é de negros e pardos. Pobres e desassistidos, esses coitados, além de carregar no lombo açoitado, por anos a fio, a carne viva da discriminação, ainda são considerados doidos, varridos da sociedade pela intolerância racial.



Mas, e as eleições?



Bem, isso Benedito revelou só a mim, caro leitor, o que hoje todos já sabem.

1000TON





poemicro

*A IMPRESSÃO QUE DÁ*

Só acreditam na gente
Quando a gente mente

(*Climério Ferreira*)

Simão Curuca

AOS VERMES (sem nenhuma alusão a Augusto dos Anjos)



Não estarei aqui quando se romper a pedra dura.

Entrego

À milésima geração de vermes,

Que, com péssimo gosto, degustaram as minhas sobras,

O usufruto das velhas utopias.

Quando, então, meus últimos quanta

Transubstanciar-se-ão em porra nenhuma...

Aos vermes futurísticos

Legarei o êxtase dos meus bisnetos

Ante a escultura em silicone

Monumental

De uma Xuxa imortal.

abraços, do

simão, o cético

Estrela do Destino: 1968





Lembram-se desse fílme? Quem assistiu não esquece.
Espero que fique só na lembrança de quem viu e as novas gerações sejam poupadas de cenas vis.

Lima Barreto



Estou no hospício ou, melhor, em várias dependências dele, desde o dia 25 do mês passado. Estive no pavilhão de observações, que é a pior etapa de quem, como eu, entra aqui pelas mãos da polícia.

Tiram-nos a roupa que trazemos e dão-nos uma outra, só capaz de cobrir a nudez, e nem chelos ou tamancos nos dão. Da outra vez que lá estive me deram essa peça do vestuário que me é hoje indispensável. Desta vez, não. O enfermeiro antigo era humano e bom; o atual é um português (o outro o era) arrogante, com uma fisionomia bragantina e presumida. Deram-me uma caneca de mate e, logo em seguida, ainda dia claro, atiraram-me sobre um colchão de capim com uma manta pobre, muito conhecida de toda nossa pobreza e miséria.

Não me incomodo muito com o hospício, mas o que me aborrece é essa intromissão da polícia na minha vida.

(Lima Barreto, início de "Anotações para o cemitério dos vivos", 1919)

Caricatura de Netto em cima da foto de Lima Barreto tirada do seu prontuário médico de internação. ver Picinez

fazendo água



a canoa não mais atravessa o rio

por ele é atravessada

Felicidade Demais

Luiz Horácio



Felicidade demais, livro de contos de Alice Munro, é uma obra impressionante. "Dimensões",história que abre essa coletânea, ali o leitor encontrará Doree, camareira de uma pousada. Ela diz: "Eu sei que essas palavras já estão mortas de tão gastas. Mas continuam verdadeiras."



Aceite uma advertência, paciente leitor: o título pode sugerir um livro de auto ajuda, convém não se deixar levar por essa impressão. Você terá em mãos a mais fina ironia, do título às histórias. Tudo com sutileza, o que torna Felicidade demais, uma obra inesquecível.



Mas voltando a frase de Doree. Sem demora a camareira se envergonhará por ter dito "mortas", como a perceber que a tarefa de Alice Munro é justamente a de revitalizar as palavras. E o faz de forma magistral, capaz de tornar o mais cruel cotidiano, a mais maçante rotina, fantásticos esconderijos de surpresas. É desse cotidiano que a autora extrai personagens simples, alguns simplórios, carregados de imprevisibilidade, aptos a correr em busca da fugidia felicidade. Os contos de Alice Munro, no entanto, não apresentam o menor traço de superficialidade ou de simplicidade; são histórias densas onde avançar e recuar no tempo é um recurso fartamente utilizado. Nada é simples, Alice por vezes consegue fazer sua narrativa soar como um quadro barroco, contrastes, dramaticidade beirando o excesso, e a tensão entre o material e o espiritual; nesses instantes a autora pesa a mão. O que impressiona é que tal estratégia não compromete a narrativa, é diluída, sobretudo, pelo fato de Alice Munro colocar suas personagens, sempre, frente ao não convencional. Mas não se engane, cuidadoso leitor, não se trata de fórmula, em Felicidade demais o que está exposto é uma variedade de sutilezas, todas encaminhando a leitura à surpresa.



Três contos são exemplos de consistência narrativa e assombrosa tensão.



Em Dimensões, a jovem Doree, mãe de três crianças e, conforme disse no começo desta resenha, trabalha como camareira de uma pousada. Casada com Lloyd, conhecera-o auxiliar de enfermagem. Pai de dois filhos, imaginava-os adultos, embora não fizesse a menor idéia sobre o paradeiro de ambos.Doree e Loyd mudaram de cidade, foram viver juntos, logo vieram os filhos. Três crianças que um dia, sem mais nem menos, seriam estranguladas pelo pai.



Loyd é condenado, gastará seus dias em um manicômio, de onde escreve cartas e mais cartas a Doree no intuito de convencê-la que os matara por convicção, em hipótese alguma fruto da loucura. Convicção quem tem é Doree. O inusitado trará um alento a ex-camareira.



Rosto conta a história da menina Nancy que cortou o próprio rosto com navalha, queria ter defeito igual a deformidade de nascença apresentada por seu amigo. "Foi na mesma bochecha", ela disse. "Como a sua."



Brincadeira de criança é a história de duas crianças que matam uma criança deficiente. "A cabeça de Verna não retornou mais à tona, embora não estivesse mais inerte, mas ser revirando como que se divertindo, leve como uma água-viva em seu habitat.Charlene e eu estávamos com as mãos em cima dela, em sua touca de borracha. Pode ter sido um acidente. Como se nós, tentando recuperar o equilíbrio, tivéssemos nos agarrado no objeto mais próximo, grande e de borracha, mal percebendo o que estávamos fazendo. Pensei em tudo isso. Acho que teríamos sido perdoadas. Crianças pequenas. Aterrorizadas."



Não, sensível leitor, você não está equivocado, o terror está presente nos contos de Felicidade demais. O terror que não exige esquartejamentos, zumbis, vampiros; mas o terror que habita a infância, a crueldade das crianças, e cresce, cresce, e nos espera na porta de entrada de nossa velhice. O terror há nos exigir lembranças, geralmente tristes. Dos filhos abandonados dos casamentos desfeitos à filha morta do casamento quase infantil, são lembranças da realidade deste resenhista. Lembranças rápidas, já chegaram a minha velhice, jamais se satisfarão com minha dose de sofrimento.



É a vida, a vida a nos fornecer material para o sofrimento ou para a ficção, no caso de Alice Munro. A vida, a vida pela ótica da autora de Felicidade demais: "Eu cresci, e fiquei velha."



Vidas comuns, vidas pequenas, o cotidiano, a rotina, viver e se deixar levar pela vida. Hoje, amanhã, depois de amanhã. Sempre tudo igual. Sempre. A mudança é a morte, a frustração traz traços de normalidade implacável.



As vidas apresentadas por Alice Munro são precárias, assustadoras, lamentavelmente próximas de nós. Crescem, tão somente, em função de uma desgraça. Viver, aqui, não é perigoso. É triste, não tem saída, não tem volta.



Há um quê de Beckett nas personagens de Alice. No conto Algumas mulheres: "E minha avó havia me avisado para, se possível, eu evitar de tocar em qualquer coisa que o paciente tivesse tocado, por causa dos germes, e que eu sempre deveria usar um pano entre meus dedos e o copo d'água dele. Minha mãe disse que leucemia não passava por germes.



"Então pega como?", disse minha avó.



"Os médicos não sabem."



"Ah."



Felicidade demais é o retrato pálido da miserável condição humana onde o leitor encontrará doses homeopáticas de alegria, geralmente oriundas do conta-gotas do acaso, do crime, das fantasias sexuais, das lembranças….Infelizmente!



Cebola Cortada





Garimpado por Carlinhos Nascimento da Casa Lima Barreto