quinta-feira, 29 de maio de 2008

O Piauinauta em Salamanca



Roda aí pela Internet o mistério de um entalhe na catedral de Salamanca. Paulo JoséCunha, o poeta do cerrado, jura que é o Piauinauta...

A Volta do Alienista Contemporâneo

Edmar Oliveira


Dessa vez a reclamação partiu do mestre Zuenir Ventura do alto de sua tribuna n’O Globo: “Uma Tragédia Previsível”[1] relata o drama no qual um maluco à solta, ainda por cima dirigindo, numa discussão no trânsito na Tijuca, acertou com uma barra de ferro um cidadão carioca que se encontra em coma no CTI. O mestre da escrita se pergunta porque o agressor tinha carta de motorista, porque não estava recolhido a um manicômio. Retorna à malfadada e temida “periculosidade” do louco. E fica implícita a solicitação da volta do Alienista Contemporâneo e que ele possa prevenir os crimes cometidos pela loucura...


No final do século XVIII, o Bruxo do Cosme Velho fez da vizinha Itaguaí o cenário para um drama que acometia a metrópole, no ainda novo hospício de Pedro II que já não dava conta da internação dos loucos da cidade. A limitada cidadezinha do interior tinha os ingredientes necessários para a crítica corrosiva n”O Alienista”. Machado mostra que o viés do diagnóstico psiquiátrico pode levar todos ao hospício. Mesmo com a advertência da profecia da literatura, Casas Verdes sem contas foram a única forma de “tratamento” aos transtornos mentais que proliferaram no país. Foi preciso chegar ao século XXI para que a Reforma Psiquiátrica, na obstinada luta de seus militantes, pudesse vislumbrar “Uma Sociedade Sem Manicômios”, no lema daquele movimento. Dispositivos substitutivos estão sendo implantados em todo o país, no lugar de leitos manicomiais que ainda são muitos, e há ainda uma luta em curso para afastar a “periculosidade” do louco e sua “iniputabilidade” pelo velho código penal. Na legislação vigente, o “louco pobre” é condenado à prisão perpétua nos Manicômios Judiciários e o “louco com direitos” é afastado das penalidades da lei e beneficiado com uma pena alternativa em tratamento. Este último caso pode ser o pleiteado pelo agressor no artigo em questão. Mas não é inventando novas Casas Verdes - e novos Alienistas para fazer uma prevenção e afastar os “periculosos” da sociedade - que vamos resolver a questão. Este erro Machado já mostrou magistralmente. A lei é que é anacrônica.


O crime não pode ser atribuído ao diagnóstico psiquiátrico. A penalidade não pode ser agravada ou atenuada de tal forma que desfigure as punições previstas nas leis. Uma sociedade que produz desajustados que agem como o agressor desse episódio não pode justificar o crime pela loucura suposta. Pessoas assim podem ser loucas, na maioria das vezes não são...

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[1] O Globo, 28/05/08
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E enquanto esses fatos acontecem, choramos a perda de dois militantes do Movimento da Luta Antimanicomial. O Professor Joaõ Ferreira, gigante João dos argumentos firmes mas generosos, nossa voz na academia conservadora, e Austregésilo Carrano, vítima da máquina manicomial, que em vida ousou doar seu corpo à obra, autor de "Cantos dos Malditos", que deu origem ao filme "Bicho de Sete Cabeças".


Corisco e Pancada




Essa foto é duca! Corrisco e Pancada, dois dos maiores personagens do cangaço em posição de combate...


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Cartas a um Leitor Imaginário

Geraldo Borges


Um dos melhores exercícios para principiantes ao oficio de escritor é escrever cartas. Pelo menos o cara que escreve cartas pode dizer que tem um leitor garantido. O missivista pode escrever muita coisa e exercitar a sua linguagem e se expressar em um estilo coloquial ou mesmo formal, de acordo com a sua índole. Assuntos para cartas é o que não faltam. É o corriqueiro, o cotidiano. Desde que o missivista seja uma pessoa curiosa, saiba explorar as noticias e tenha senso de humor.
O diabo é que hoje em dia com a velocidade dos meios de comunicação ninguém quer ficar esperando uma cartinha fechada. Pois atualmente basta um toque na internet e lá vai um comunicado para o amigo. Pronto. Um simples recado, um bilhete. É ótimo. Assim é melhor. E por conta disso, acredito que o volume de cartas em circulação está diminuindo progressivamente.
De minha parte continuo escrevendo. Uma vez escrevi para um amigo. Ele nunca me respondeu. Desisti de escrever para ele. Agora escrevo para personagens imaginários, inventados, de outras esferas. Talvez eu seja um dos penúltimos dos moicanos que ainda pega uma folha de papel pautada, coisa antiga e escreve obedecendo ao ritual epistolar.
Faço a carta. Conto as novidades. Que esta te encontre gozando saúde e felicidade. Capricho na letra, uma boa caligrafia, vai aqui uma redundância, kali em grego que dizer boa, vale muito para quem recebe uma carta, é sinal de consideração. Depois da carta escrita pego o envelope e escrevo o nome do remetente, o meu nome, domicilio, cep e no verso do outro lado do envelope escrevo o nome do destinatário acompanhado de seu referido endereço. Meto a carta dentro do envelope, aquele velho envelope verde amarelo Par Avion, que há muito tempo já deveria ter sido tombado ao patrimônio histórico nacional. Pois o nosso envelope verde amarelo azul e branco é uma bandeira, um símbolo de comunicação. Depois passo cola no beiço do envelope e lacro.
Vou aos correios. Entrego o envelope ao funcionário que está no balcão. Ele pergunta se é simples ou registrada. Simples. Vai mais rápido. Pega a carta e pesa, diz o preço. Sela. Ainda existem colecionadores de selo. E lá vai a carta para o meu correspondente imaginário. Semanas depois recebo a carta de volta, com um aviso carimbado no envelope: os correios não encontraram o endereço. Relendo o endereço notei que havia escrito para outro planeta. A minha necessidade de escrever é compulsória.
Continuou escrevendo para leitores imaginários, com a minha letra cursiva. Mas em tempos idos tive muitos correspondentes. Pois escrevo desde menino. Se tivesse guardado com mais segurança as cópias de minhas cartas remetidas e as originas recebidas, não as tivesse perdido em minhas viagens e mudanças, teria hoje um grande arquivo literário; ainda me restam algumas, raridades. Elas de algum modo vão me servir, com certeza, para levantar uma cronologia biográfica de minha vida. Acredito que cometi outra redundância. Não tenho nada contra redundância. Elas fazem parte da literatura, assim como os superlativos.
Cartas são meios de expressão que já tiveram o seu tempo de apogeu na história da literatura, principalmente durante o século dezenove e boa parte do século vinte. Muitos escritores fabricaram romances em forma de carta e a usaram também como componentes de seus enredos. E muitas pessoas famosas tiveram coragem de publicar suas cartas. Entre nós, na literatura brasileira, existem muitas cartas publicadas. Monteiro Lobato, Graciliano Ramos, Mario de Andrade. As Cartas Chilenas são exemplo de como um escritor pode usar de artimanha para se expressar e espinafrar autoridades incompetentes.
As cartas de Rilke poeta alemão, é um verdadeiro tratado de comunicação, onde o escritor, com a sua rara sensibilidade, coloca o seu ponto de vista sobre a arte poética. As cartas com toda a parafernália da comunicação do mundo pós - moderno não estão completamente descartadas. Continuam, oportunamente, sendo um exercício literário para o desafio de qualquer autor principiante, que deseja escrever e se comunicar, ter pelo menos um leitor.
Abraços ao meu leitor imaginário.

MARIA TIJUBINA

Edmar Oliveira


Quando na madrugada de meninos boêmios a fome apertava, os filhos da zona norte só tinham uma direção: Maria Tijubina. Não era bem um restaurante. Uma venda num casebre que se equilibrava num barranco acima da linha do trem. Mas a quem Maria fazia deferência, podia examinar as panelas, nas trempes dos fogões, se a Mão-de-Vaca ou a Panelada, qual iguaria estava mais apetitosa. Eu era um destes fregueses, ainda menino, que Maria dava importância. E qual o meu orgulho de anunciar pra rapaziada que me acompanhava: hoje é dia da Panelada, tem um cheiro ótimo. – Maria, uma panelada e um arroz a mais. Este “arroz a mais” era a grande invenção da Maria. Com dinheiro muito curto nos bolsos a molecada desdobrava um prato feito pra dois ou três em um rango para quatro ou seis. Verdadeiro milagre da Maria na multiplicação da comida farta.


Maria Tijubina era antenada. Conhecia as turmas, os grupos, as encrencas e as fofocas de todos. E passava informação a (de) uns e outros, sentada na mesa do freguês, com seu paninho de espantar muriçocas, e que servia também pra limpar as mesas e pegar as panelas quentes. Na venda da Maria matava-se a fome e a sede de informação. Ali se sabia que a namorada de um tinha saído com outro. Que o respeitável político amancebara-se com aquela loura que uns e outros davam em cima. E, pior para a reputação de alguns, doutor Fulano, casado e pai de filhos, passou ali, numa dessas madrugadas, em companhia de suspeita sexualidade. Coisas simples da vida de província. E a gente perguntava pelos colegas e Maria respondia que este já passara ali torto e, com certeza, foi dormir; que aquele outro, certamente, ia chegar; que esse outro viajou pro sul.


A Panelada e a Mão-de-Vaca da Maria eram as iguarias das noites no Mafuá. Um mercado que virou bairro. Um bairro que virou conto. Assaí Campelo, figura que se confunde com a própria Teresina, morador do Mafuá, e vizinho do mercado, a pessoa mais importante da zona norte de Teresina, levou Caetano Veloso e Gilberto Gil e uns e outros artistas que visitaram Teresina pra comer panelada na Maria. Eles nem sabem do quê a comida é feita, mas Maria mostrou a tijubina pro Gil e pro Luiz Melodia...

NO TEMPO DO REI

Geraldo Borges

Era no tempo do rei
E se contava lorota
E o rey
Era um bobo idiota.
Era no tempo do rei
E havia muita marmota
E o rey
Era um borra - botas
Era no tempo do rei
E havia muita sujeira
E o rey
Era uma bananeira
Era no tempo do rei
E reinava confusão
E o rey
Era um grande poltrão
Era no tempo do rei
Se rezava muita missa
E o rey
Espichava se de preguiça
Era no tempo do rei
E se bajulava demais
E o rey
Não sei se volta mais
Era no tempo do rei
E agora como é que é
O rei
Não quer dá no pé;

LATIN LOVER

1000ton


A priori priscila

Sine qua non marion

Data venia gardênia

Pari pasu aparecida

Ipso facto sofia

Sui generis sueli

Sub judice judith

Fac simile simone

Habeas corpus beatriz

Nihil obstat tatiana

Ipsis verbis verônica

Quosque tanden tâmara

Ad usum úrsula

Pro forma norma

Curriculum vitae vitória

Pro rata renata

Sine die diana

A posteriori tereza

Honoris causa dóris

Causa mortis suzana

Ad referendum fernanda

In memorian marinete

In fine josefina

Ad eternum etelvina

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1000ton, nosso cartunista, também poeta, entre a obrigatoridade do latin e o nosso amor. Pronto. Todas as meninas cantadas em nosso latin. Atenção para Etelvina do Kid Morengueira (Acertei no Milhar)...

HDobal (I)

Irmãos e irmãzinhas: no apartamento onde se encontrava, o Poeta teve duas paradas cardícas e, na tercera, já na UTI, desistiu de lutar contra o inexorável. A poesia resistirá. (Cineas Santos)



ANTILÍRICA II



HDobal

No olhar vazio
dos amantes arrependidos.
Na impaciência
dos cavalos do vento.
Na serenidade
que logo se planta
na face dos mortos
as antilíricas forças
que incessantes empurram a vida
dia após dia.


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A RESPOSTA


HDobal

Cumprir a vida

como um campo de provas.

Cumprir as duras penas

do amor

e confundido

na solidão

saber

que o desvivido tempo

não deixou

qualquer resposta.

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HDobal (17 de outubro de 1927 - 22 de maio de 2008, dia de Corpus Christi


Ver neste blog Dobal


HDobal (II)





Amigo(a),

Acabamos de perder H. Dobal, um os maiores expoentes da poesia brasileira contemporânea. Éramos amigos. Sofria de parkinson e ultimamente seu estado de saúde vinha se agravando. Prefaciou meu primeiro livro de poemas, "O Salto sem trapézio". E escreveu seu último prefácio, também para um livro meu, "Perfume de resedá", ainda inédito, a ser publicado até o final deste ano. Sempre que podia, quando ia a Teresina, no Piauí, visitava-o na companhia de amigos, nas famosas "dobalinas". Dobal era uma dessas pessoas inesquecíveis.

Há alguns dias eu vinha escrevendo alguma coisa em versos, sobre ele. Quando me chegou a notícia de sua morte, agora há pouco, apenas completei o texto que segue abaixo, juntamente com alguns dados biográficos que puxei da internet.

Outro dia escrevi, e repito agora, com uma certeza ainda mais clara:

marretadas não abolem
uma verdade maior
nenhum verso vira pó
todo verso vira pólen.

Um abraço.

Paulo José Cunha



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Um brinde ao amigo H. Dobal


PJCunha

Ergo um poema ao poeta
como se uma taça ao brinde.

Um brinde ao riso afável, honesto, verdadeiro
do operário calmo das palavras,
do mestre de desapegada vaidade
incapaz de grito ou impropério,
mas capaz de levantar
enormes e frágeis catedrais
feitas de versos.

É ler Dobal
para sentir-se em meio
ao seco das caatingas,
no largo dos sertões,
ardendo,
in vitro
à fumaça do ferro em brasa
marcando bois e homens.

É conhecê-lo
para aprender
que toda glória é vã,
além de arredia aos que a perseguem.

A alegria guardado nas retinas
e o macio da mão trêmula
distraem o sorriso de menino travesso,
que ironiza vida e fama
por saber
que os pombos sempre cagam nas estátuas.

O que fica, para além da vida,
e ele bem sabe,
é o brinde que se ergue,
além do nada,
e os versos que se cantam,
além da glória,
a um tempo de carinho e amizade.

Agora, de repente, tudo é pouco
e tão grande, apenas na memória:

A conversa amena, regada a café com bolos fritos,
umas risadas, os afagos dos velhos companheiros,
ao redor de sua cadeira preguiçosa,
nas manhãs dobalinas de domingo.

Morreu Hindemburgo Dobal Teixeira.

Viva H. Dobal!

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Hindemburgo Dobal Teixeira é de Teresina (17 de outubro de 1927). Curso secundário no antigo Liceu. Bacharelou-se em Direito na turma de 1952 da Falcudade de Direito do Piauí, tendo sido o orador. Diretor da Revista Meridiano, figura líder da geração vanguardista, tornou-se um poeta respeitado no Brasil inteiro. Fez concurso para Fiscal do Imposto de Consumo do Ministério da Fazenda; membro do Conselho de Contribuites e professor da Escola Superior de Legislação Fazendária, em Brasília. No Governo Médici fez parte da comissão que reestruturou todo o sistema tributário nacional. Posteriormente, comissionado pelo Ministéio da Fazenda, fez cursos e estágios em Londres e Berlim, sendo um dos mais brilhantes e competentes técnicos em legislação e Técnica Fazendária, no país. Membro da Academia Brasiliense de Letras.
Em 1969 Hindemburgo Dobal Teixeira ganhava, com O Dia Sem Presságios, o Prêmio Jorge de Lima (poesia) do Instituto Nacional do Livro. Mas nem sempre a obra premiada é o melhor instante do escritor. "O Tempo Consequente", editado em 1966, é ainda o melhor momento da poesia deste notável poeta.
Obras: O Tempo Consequente (1966); O Dia Sem Presságios (Premio Jorge de Lima, 1970); A Viagem Imperfeita (1973); A Província Deserta (1974); A Serra das Confusões (1978); A Cidade Substituída (1978); El Matador (folhetim, 1980); Os Signos e as Siglas (1978); Cantigas de Folhas (1989).

Conheça um pouco de sua bela obra:

Campo Maior
Bucólica
Gleba de Ausentes
Inverno
II os Dias
Pioneira Social
As Chuvas
Transeunte
I os Rios
Crepúsculo
Homo
O Destiono
Réquiem
Hunamae Vitae
Salmo do Homem Sozinho
A Morte

VENTO DE MAIO

Torquato Neto, musicado por Gilberto Gil





Oi você, que vem de longe


Caminhando há tanto tempo


Que vem de vida cansada


Carregada pelo vento


Oi você, que vem chegando


Vá entrando, tome assento



Desapeie dessa tristeza


Que eu lhe dou de garantia


A certeza mais segura


Que mais dia, menos dia


No peito de todo mundo


Vai bater a alegria



Oi, meu irmão, fique certo


Não demora e vai chegar


Aquele vento mais brando


E aquele claro luar


Que por dentro desta noite


Te ajudarão a voltar



Monte em seu cavalo baio


Que o vento já vai soprar


Vai romper o mês de maio


Não é hora de parar


Galopando na firmeza


Mais depressa vais chegar


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O Poeta, em 1968, captou em tempo real o maio de 1968. É quase premonição ou mais quê..?

Filha do Sol do Equador

É propaganda do governo. Mas é muito bom. Vejam, os que não são da terra, o encantamento... Os da terra, o orgulho...

Réquiem por um Amor sem Fim

Madileuza da Conceição


Olhou com olhos de avó, tocou o bebê com cuidados exagerados de avó. Beijou com muito amor a testa da primeira netinha. E sentiu então que havia caminhado rápido estas quatro décadas. Maria da conceição sentiu-se realizada, casou, separou, criou as três filhas e compôs uma poesia.A noite a jovem avó foi ao rock, acompanhada da outra filha de vinte, ambas usavam preto. A filha de bermudinha, ela, um vestido preto com detalhe prateado aos ombros, contornando os seios de matrona que já possuia, pulseiras prateadas em ambos os braços, sandália e brincos prateados. Foi vestida de Surfista Prateado, sugar emoções. Tanto menino, tanta menina. Juventude feliz e alcolizada. E ela lá, undergrund, a filha ficou chata, essas angústias da mocidade. Ela arranjou namorado roqueiro e a filha não.Legal essa cendeirice da maria. Amor de homem jovem... primeiro ela disse que não, se ele tivesse dezessete daria processo, ele apressou-se em dizer que tinha vinte e um. Que o peito dela, a bunda dela, valeria até o inferno, prisão então. Menino atrevido, pegada de homem. Maria da conceição caiu.Ele lhe abraçava namoradinho, coração batendo forte como a bateria da banda no palco. Poesia. Sabe-se o que é aos quarenta anos só chamar namorado de amigo. O seu coração que há muito não estava ali, havia sido sequestrado por um poeta do mal, finalmente havia sido devolvido.O nome do louro namoradinho, José Querubim, nome da banda dele, Funeral.


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O blog de Madileuza taí...

Poeminha Grátis (Sem Título)

Paulo José Cunha




O sábado paga os pecados da sexta.


O domingo fala baixo porque a cabeça dói.


E a segunda não sabe o que é viver.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

O Piauinauta e a Capivara



Inscrições rupestres,na Serra da Capivara,mostram o Piauinauta em desenhos pré-históricos, junto com a capivara, evidenciando a existência, nos primórdios da civilização, deste incansável observador do futuro. O desenho foi datado com carbono 14.

Mas,voltando as evidências, cientistas americanos e europeus concordam agora que o homem pode ter chegado às Américas pelo Pacífico. Esta não é a tese de nossa Niéde Guidon, desde que fincou suas pesquisas no sertão do Piauí?

FILHOS DO GRANDE IRMÃO

Edmar Oliveira


Psicólogos, antropólogos, sociólogos e outros entendedores do comportamento humano, vêem mostrando preocupações com a geração criada sob intensa vigilância eletrônica. Não sei se vocês lembram, a parafernália começou com a “babá eletrônica”, um transmissor de sons instalado no quarto das crianças que “avisava” aos pais de “alguma anormalidade” no habitat dos pirralhos. Hoje já são câmaras de vídeo para a vigilância pelo computador do local de trabalho dos “responsáveis” ou celulares com GPS que localiza por satélite onde está o vigiado. Só a comunicação por celular tornou-se insuficiente.

Artigos de especialistas apontam para o fato desta geração desenvolver mecanismos paranóides e esconder sentimentos e segredos que não possam ser visualizados por câmaras e satélites.

De certo que o mundo vem mudando de forma vertiginosa. Com implicações na formação de futuras gerações. Uma das características da pós-modernidade é a instalação de novos comportamentos que parecem ter existido desde sempre. Quem sabe escrever sem o computador? Como pode alguém viver sem celular? Quem mais revela filmes fotográficos? E as tragédias transmitidas em tempo real para a casa de cada um? Claro que tem ainda muitos resistentes, e conheço vários, que se recusam a entrar no século XXI. Mas apesar do admirável esforço destes “dinossauros”, que estão em profunda coerência com um modo de vida saudável aos costumes de antes, eles são animais em extinção. Mas admiro encontrar um deles e gastar memoráveis minutos em prosa sobre um passado de que tenho saudade. No meu modo de ser, entro na pós-modernidade de forma desconfiada. É o máximo de resistência que exerço. Sei que não tenho mais idade para desenvolver mecanismos paranóicos e desconfianças que abalem minha saúde mental. Depois que a gente dobra o cabo da “boa esperança”, a calmaria nos leva à velhice. Pelo menos creio nisto. Mas as crenças não são reconhecidas na pós-modernidade, a não ser se explicadas pela ciência, da qual estou farto...

E na minha desconfiança com os inventos tecnológicos pós-modernos, gosto de comparar comportamentos de antes com os de hoje. Na copa de 70, assisti no Piauí a uma transmissão de chuviscos da TV do Ceará. Tinha que ter um rádio ligado para entender melhor o que achávamos que eram imagens de TV. Também nunca vou me esquecer que os aviões, comandados por Osama Bin Ladem, derrubaram as torres gêmeas em tempo real dentro da minha casa em imagens digital. Criei meus filhos sem ter linhas telefônicas, que eram uma raridade, e caríssimas, na década de 80, mesmo no Rio de Janeiro. Usava um orelhão instalado no meu prédio para falar com a escola deles e meu trabalho. Hoje estranhamos quando um filho não atende o celular e o nosso telefone móvel nos torna escravos, em tempo integral, de nossos patrões. Tinha uma máquina de escrever na década de 80, “eletrônica”, que conseguia apagar até cerca de vinte caracteres num texto. Invenção fenomenal pra quem sempre usou uma máquina manual. Pra mim, os processadores de textos atuais, nos computadores, são a extrema sofisticação da tecnologia moderna.

Sei que estou na transição de comportamentos e costumes, verdadeiro conflito de gerações. Lembro que meu avô dizia que o mundo sempre se preparava para a nova geração, e que um dia eu entenderia o que ele estava falando. Acho que chegou este momento. Não consigo me sentir seguro como a maioria das pessoas que lêem o cartaz: “sorria, você está sendo filmado”. Me sinto “pagando um mico” ou vítima de uma vigilância desnecessária. Não consigo compreender o futuro dos filhos do grande irmão.

Do Título e do Texto

Geraldo Borges


Dar nome aos bois. Titular um discurso. Eis a questão. Às vezes o escritor tem a maior dificuldade de titular o texto. Não por falta de criatividade. São tantas as idéias subordinadas ao assunto principal que o autor vacila. Existem autores de soneto que para dar nome a sua obra colocam como cabeçalho o primeiro verso. Camões. Bocage, e até Fernando Pessoa usaram este artifício. O computador imita os clássicos. Também coloca como titulo de qualquer texto que não esteja intitulado a frase inicial do discurso.

O título é algo que já nasce com o texto e pode vir à superfície dependendo da sacada do autor, ou de quem leu o livro no original. No caso de tradução, há títulos que apresentam dificuldades quando precisam ser traduzidos. Às vezes o tradutor por conveniência, clareza, mantêm o titulo original, ou inventa outro. Citemos por exemplo: On the road de Jack Kerouac. Na versão brasileira continua com o mesmo titulo, já na tradução para o português de Portugal foi traduzido com o nome de Pela Estrada Afora.

O titulo às vezes pode ser a chave de uma obra. Ele nos ajuda a abrir a porta das idéias que estão no texto; muitas vezes o título pode ser apenas um apelo sensacionalista. Há títulos que antecipam o conteúdo da obra; outros dão relevo a uma personagem. Por exemplo: Dom Casmurro de Machado de Assis, este título é explicado no primeiro capitulo do romance, que se chama: Do título. Machado diz: 'Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentindo que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo. Tudo por estar cochilando! Também não achei melhor título para a minha narração; se não tiver outro daqui até o fim do livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem ficará sabendo que não lhe guardo rancor. E com pequeno esforço, sendo o título seu, poderá cuidar que a obra é sua'.

Millor Fernandes deu o titulo para a biografia, ou memórias de Danusa Leão - Quase Tudo. Se o espírito não me engana um dos romances de Clarice Lispector foi titulado por Carlos Heitor Cony.

Dificilmente um autor começa uma obra de ficção com o título já escolhido. Muitas vezes o autor entra por alguns desvios de imaginação no meio da obra e é levado não pelo seu pulso, mas por alguma personagem que lhe quer mostrar que é a própria dona de sua história. Tal capricho pode subverter a idéia de dar nome aos bois. Acontece, então, que depois do romance pronto, com um novo exercício de leitura, de releitura o título venha à tona, salta aos olhos, entre as linhas do texto.

Tem mais, hoje em dia, com a febre dos romances best seller, um título pode ser um mero chamativo, uma etiqueta de um artigo na vitrina, um selo aprovado pelos críticos e os editores. Quem não se lembra do romance Ardente Paciência do escritor Antonio Skarmeta. Nas primeiras edições correu o mundo com este nome, que não foi nem preciso traduzir para o português. Ardente Paciência em português como em espanhol é a mesma coisa. Vai que um dia o romance foi filmado. E eis que os dois personagens mais importantes do enredo determinam o nome do filme. O Carteiro e o Poeta. Muito mais bonito que o titulo original do romance. Por isso mesmo o livro passou a ser reeditado com o novo nome. Sutileza do mercado. O cinema influenciando a literatura.

Os autores americanos da chamada geração perdida gostavam de titular seus romances com versos de poetas clássicos ou com versículos da Bíblia. Todo mundo conhece o romance de Hemingway – Por Quem os Sinos Dobram. O título foi inspirado nos versos do um poema de John Donne. E o título do romance - Absalão Absalão de Faulkner saiu das páginas de Bíblia, assim como o de seu outro romance – O Som e a Fúria saiu dos versos de uma peça de Shakespeare. O título do romance - Rio Subterrâneo, de OG Rego de Carvalho, saiu das páginas do romance de Lawrence Durrel chamado - O Quarteto de Alexandria muito lido pelos intelectuais da década de sessenta.

Há títulos e títulos. Além de títulos de romances, títulos de capítulos, títulos de fachada, títulos honoríficos, medalha de lata, títulos de tabuletas. E para terminar convido o paciente leitor para mudar o título de minha crônica, caso o tenha achado muito elementar. Pois o título não diz tudo e às vezes não diz nada.
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Geraldo Borges, o Piauinauta do Pantanal, ataca num delicioso texto sobre texto e título, dizendo tudo entre estes pequeninos detalhes que fazem a diferença...

Breve aqui no Piauinauta



Vídeo de Lula Wanderley, no qual o artista realiza o desejo de todos nós: contracenar com Ingrid Bergman em Casablanca. Aqui só o cartaz. O vídeo vem depois. Aguardem neste blog...

Criadagem

Geraldo Borges


Nas Mil e Uma Noites deve haver muitos criados, pois onde há sultão tem que haver criados. Mas a noticia de criado mais antiga que eu conheço está na Bíblia. Trata-se de José do Egito. José não era propriamente um criado. Era um pastor. Mas tornou-se serviçal do rei. Foi vendido por seus irmãos para mercadores que passavam no deserto. Quando chegou ao Egito José foi comprado por Putifar, uma autoridade do Faraó. Serviu em sua casa, e por intriga da mulher de Putifar terminou na prisão. Mas José não era besta, sabia interpretar sonhos. E na prisão interpretou os sonhos de dois criados do rei que estavam presos também. Acertou os dois sonhos. Ficou famoso. Saiu da prisão. E continuou acertando sonhos. Decifrou os sonhos do Faraó e ficou sabendo do tempo das vacas gordas e das vacas magras. E com estas informações organizou a economia do Egito.


Virou ministro. É a única história que eu sei até hoje de um criado que virou ministro a custa de sonhos.


Hoje mesmo fiquei sabendo que Marina Silva que foi vereadora, deputada, e por fim senadora pelo Acre, e que neste momento demitiu-se do cargo de ministra, personagem protagonista da grande epopéia da região amazônica foi ex - empregada doméstica; uma grande ministra, mulher de princípios. Renunciou ao seu ministério por que o seu presidente não acreditou nos sonhos dela.


Histórias de criados existem muitas por aí, como o caso dos mordomos que são sempre acusados de cometer crimes. Há criados chantagistas, como é o caso da criada do romance de Eça de Queiroz – O Primo Basílio - que muita gente conhece, e que foi muito bem interpretada por Marília Pêra no cinema. Mas um dos criados mais conhecidos da literatura ocidental e que foi ser criado, escudeiro, acreditando que ganharia uma ilha para governar chama-se Sancho Pança. Tão bem se deu com o seu amo que terminou ganhando uma ilha. Só que não agüentou a rotina de rei. O poder também cansa: ritual, cerimônia. O diabo a quatro. Sancho desistiu. E o Sexta-Feira? Este era um criado primitivo, sem regras de etiquetas. Talvez fosse criado apenas por medo, gratidão, ou curiosidade. Um criado em uma sociedade onde existem apenas duas pessoas é difícil de se explicar. É mais do que questão de sobrevivência. Com certeza tinha medo do pau de fogo do náufrago Robson Crusoe. E saindo de uma ilha para o continente, quem não conhece o celebre criado José Dias, o homem dos superlativos, dos deveres amaríssimos, personagem singular, muito respeitado pela família de Bentinho e que teve muita a ver com a sua formação, detestava Capitu.


A bibliografia sobre criados é numerosa, dá até tese universitária. O conto - Um Coração Simples - de Flaubert, traduzido para o português de Portugal com o titulo de Coração Singelo, é uma obra prima da literatura francesa. Trata-se do caso de uma criada que se entrega de corpo e alma para sua patroa por causa da singeleza de seu coração, da sua religiosidade, e pelo amor que ela tinha aos filhos da patroa, a ponto de causar inveja à vizinhança. As crianças crescem, vão embora. Felicidade, que é o nome da criada, continua na casa com a patroa até morrer.


São tantas as histórias de criados. E existem muitos criados se dando bem. Mas a história de criado que todo mundo conhece e que nos é contada desde a infância é a história da Gata Borralheira, a famosa Cinderela. Ela era enteada da mulher de seu pai, que tinha três filhas, se não me falha a memória, as filhas faziam gato e sapato da Cinderela com o apoio da madrasta Mas, deu-se que o rei queria casar o príncipe e deu um baile no Palácio. As meninas da madrasta se enfeitaram e foram ao baile. O príncipe nem olhou para elas. Com a ajuda de uma fada madrinha Cinderela conseguiu também ir ao baile. Acho que não é preciso esmiuçar o enredo do conto. Todo mundo conhece. A carruagem de abóbora, a dança com o príncipe, a meia-noite, a fuga da Cinderela, a perca do sapato, a procura do pé do sapato. E finalmente o final feliz. Bela redundância.


A versão moderna, com algumas variantes do conto da Cinderela, está contida nas páginas dos romances das edições da Sabrina, executivos casando com secretárias e nos concursos de beleza tipo Miss Brasil. De forma que há sempre uma brecha na sociedade para que alguns criados de repente atinjam a celebridade, e passe até consigo uma corriola de serviçais.

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Geraldo, o Borges eremita, piauinauta do Pantanal, aborda um aspecto inusitado da literatura. Seu criado. O problema é quando o rei quer o criado mudo, porque não gostou da interpretação do sonho...

O DIA EM QUE DILMA FOI TORTURADA DE NOVO

Edmar Oliveira


Chamada para depor no Senado Nacional sobre vazamento de informações sigilosas (que não deveriam sê-las), a Ministra da Casa Civil, Dilma Rousself, foi interrogada por um senadozinho de um partido que mudou de nome para negar que foi a antiga Arena dos governos militares. José Agripino Maia, o velho Agripa do feudo dos Maias que sempre apoiou a ditadura militar, insinuou que Dilma aprendeu a mentir quando foi colocada num “pau-de-arara” sob tortura. Mentindo ali, mentiria agora, propondo uma tortura parlamentar no interrogatório a que Dilma seria submetida. A diferença é que, a Ministra fez questão de evidenciar, sendo o aparato de tortura da ditadura em um regime de exceção, mentir para proteger a vida de seus companheiros foi de um heroísmo sobre-humano; enquanto na democracia o “pau-de-arara” simbólico montado podia ser destruído com os argumentos veementes que foram usados por Dilma. Ela cresceu pra cima do seu torturador parlamentar com toda a raiva que quis, por toda vida, partir pra cima dos seus torturadores do passado. Reduziu, com argumentos irrefutáveis, o senadozinho saudoso da ditadura em um montinho de merda. Grande mulher, apesar da emoção escancarada mostrou-se uma fortaleza no incidente. E a partir deste momento, a oposição ao governo atual se pareceu à situação do regime de exceção. As insinuações desqualificando a Ministra foram a tônica da oposição, da mais à direita a socialdemocracia.


O preocupante foi o noticiário da grande imprensa no dia seguinte. Não tinha nada de parecido ao que foi visto em tempo real no Senado. Reconhecia que a Ministra “se deu bem” por saber usar a palavra para responder aos senadores. Em nenhum momento ela foi tratada como vítima de seus algozes, mas como uma antiga “terrorista” que foi “beneficiada” pelos erros dos perguntadores. Não, senhores! Dilma sofreu tentativa de ser violentada por torturadores parlamentares. Senadores que não honram o nome do parlamento na democracia e sonham com o saudosismo da ditadura. E a imprensa se comportando como quando defendia a ditadura.


E aqui uma confissão: quando votei no atual governo queria que ele fosse muito mais longe como desejava nos meus sonhos. Lula percebeu que não dava. Enquanto faz uma distribuição de renda com os programas sociais também organiza e enriquece as classes dominantes. De tal forma que o velho Delfim Neto disse que foi preciso um operário para organizar o capitalismo no país. E confesso que meu entusiasmo diminuiu muito quando foi colocado frente à realidade que vivemos. Também não gosto das incontinências verbais do Presidente, nem de suas adulações a Severinos, Renans, Barbalhos, Sarneis e que tais. Nem de seus reconhecimentos aos ditadores de ontem ou frases infelizes como “ninguém segura este país”. Nem de seus arroubos populistas constantes. Nem de dar razão ao Bakunin [1] sobre a natureza humana dos companheiros diante do poder. Mas, sem poder de deixar de parodiar o humorista José Simão, gosto muito menos de quem não gosta do Lula...

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[1] ...”antigos operários (...) tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e por-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão ao povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disto não conhece a natureza humana.” Michail Bakunin (1814-1876), anarquista russo.

Trocadilho Sem-Vergonha

Laulo Silva



Com corpo de violino

E escrúpulos precários

Dadá, mulher de Lino,

Tornou-se extra de vários

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Retirado, por Paulo José Cunha, do livro "A Trova no Brasil" de Aparício Fernandes, Artenova, Rio, 1972.

Um Poema Saudosista

Paulo José Cunha





para Jack Kerouac

e Pierre Baiano



Já não temos tempo de ser jovens

e soltar de novo aquele grito,

crianças de braços abertos

aos primeiros raios de sol


O grito morreu na garganta

sufocada

pelo nó

da gravata

engasgada

pelos protestos de elevada estima e distinta consideração


The dream is over, gente fina.

Os cabeludos furaram as orelhas

e usam sapatos de verniz.


Mas é impossível

olhar a mochila empoeirada

sem que o polegar aventureiro acorde

animado pelo assovio de um velho blues

e volte a sonhar com o sol das abbey roads

por onde um dia viajamos

com flores nos cabelos

fumando umas coisas do norte.


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O jornalista, professor e escritor Paulo José Cunha foi repórter de O Globo, Jornal do Brasil e Rede Globo de Televisão. Dirige documentários e comerciais de TV. É apresentador da TV Câmara (programas "Primeira Página" e "Comitê de Imprensa").

A arte é de joão de Deus Netto, Designer gráfico, caricaturista, blogueiro e piauiense de Campo Maior [PI]. Foi publicada no blog dele, que recomendo. Anote aí o endereço e clique lá:

jenipapo

ATO

Carlos Alberto Marques dos Reis


Uma

a

uma

vão caindo as peças.

Na cama, ao contrário do teatro,

quando cai o pano

começa o

ato.
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De fato, na agulha. Bom poema. A cultura ocidental despreza o entendimento rápido, a feliz associação, o imediatismo psíquico, tão comum e louvado, por exemplo, na linguagem dos ideogramas. Foram precisos o surrealismo e, no nosso caso, a poesia concreta, para que passássemos a aplaudir essa velocidade feliz do entendimento. Carlos Alberto Reis, literalmente, deu uma dentro. (Durvalino Couto, comentando por e-mail um poema que Paulo José Cunha fez circular).

Rosa Despedaçada

Madileuza da Conceição
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Esse texto é militante, prometi p/ o movimento de mulheres, quando no início do ano houve muita violência contra a mulher e assassinato de uma menina de 10 anos p/ padrasto (Madileuza, por e-mail)
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Papai te ama. A menininha morena ouvia essas palavras e apertava a boneca, o urso de pelúcia, a bola, o que tivesse à mão como forma de se proteger. O papai quando ninguém estava olhando lhe fazia carícias estranhas. Passava a mão devagarinho em seu sexo, beijava. Abraçava-a com força, sempre repetindo que a amava. Sua princesinha. Depois começaram as brigas com a mãe, papai então parecia mais exigente, violento em suas carícias.Um dia mamãe e nem o irmão estavam, papai que quase não saia, pois trabalhava numa oficina na própria casa. Papai lhe mostrou o pinto, aquela parte que a mãe diz que não devemos curiar nos meninos. Levou um susto, o pai, sempre dizendo que a amava, obrigou-a pegar, colocar na boca. Já as lágrimas... papai te ama. Te odeio, papai. Levou um tapa. E a recomendação que apanharia mais se falasse para alguém "que se amavam".Domingo no catecismo, o padre falara de amor a pai e mãe, um dos mandamentos de deus. Sentiu-se culpada. Sua alma começava a crepitar no inferno. Odiava o pai. Desejava que um carro o atropelasse. Mas deus não a socorria, não ouvia seus pedidos de morte. Deus é bom. Ela era má. Seu pai a amava, com seus beijos nojentos, sua mão asquerosa por todo seu corpo, seu pênis, que ela recusava a olhar, mesmo em suas mãos, esfregado em sua pequena vagina. Só sentia uma dor, mas não era uma dor física, era uma dor na alma, daquelas que sentimos quando estamos acuados, sem saída, desesperados, sem ajuda. Uma dor benígna que nos leva para fora do corpo, nos dar torpor.Um dia o pai a abraçava, estava com raíva da mãe, muita raíva. Penetrou seu pequeno orifício, todos os orifícios existentes em seu corpo, com dezenove centímetros de carne, com violência, puxando seus cabelos, tapando sua boca, fazendo-a sangrar. Sua alma apavorada, em torpor, refém do ladrão de sonhos, talvez, esperemos tenha levado-a sem dor para o outro mundo. Como diz os espíritas, desencarnou, ela irá continuar a crescer no mundo espiritual, como diz os umbandistas, encantou-se, e é uma entidade que anda sobre as águas. Os católicos esperarão a confirmação dos milagres, e com muita burocracia talvez seja beatificada.Na manhã seguinte, todas as outras mães estavam como um grupo de mães chipanzés, fazendo muito barulho. A proibição do incesto está na invenção da cultura, segundo Lévi-Strauss. Fim do mundo dizem as mulheres mais velhas, pai comendo a própria filha. Todas as mães se sentem culpadas, como as mães chipanzés que cuidam uma dos filhos das outras. Não a protegemos. Não cortamos o falo do mal desse pai.De toda a história de repressão ao direito a sexualidade e prazer para as mulheres, nesse momento de liberalidade, pós anos sessenta, conquista do mercado de trabalho, livre orientação sexual, nos acontece com frequência o incesto, o defloramento da menina pelo próprio pai. Esse roubo da inocência, da fantasia, do sonho e do percurso normal para que alguém que não nasce, mas se torna mulher, como bem diz, a mãe, Simone de Beavoir, parideira de idéias.O pai foi brutalmento serviciado na cadeia. Morreu de estupro.
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Este texto é de uma Piauiense que tem um blog legal: Madileuza, como a chamo. Um conto mínimo no limite da realidade. Maria Edileuza, do blog Doida Nua

LEMBRANÇA

Geraldo Borges



Para Edmar



Meu velho amigo Edmar

Morador de minha rua

Este soneto é para lembrar

As nossas noites de lua.



Quer dizer nossas noitadas

Bebendo no bar do Gelate

A turma era da pesada

Todos nós fazíamos arte.



Raimundo bom camarada

Nos servia tira gosto

Tripa de galinha torrada



Velhos tempos mocidade

Agora amigo isto posto

Este soneto é saudade.



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Agradeço imensamente ao amigo e devolvo a gentileza:



MARIA TIJUBINA

Edmar Oliveira



Para Geraldo Borges

No final da madrugada
Depois da noite vadia
Quase o sol já era dia
Mão-de-vaca e panelada

São pratos da culinária
Da Maria Tijubina
Que com sua mão divina
De receita centenária

Matava a fome boêmia
Sentava e contava prosa
Estória de moça fêmea

Sonho e torno a me lembrar
Sol nascendo e lua nova
Mercado do Mafuá...

Espaço Cultural São Francisco



Meu irmão, Moisés, visita Cícero Manuel no "Espaço Cultural São Francisco". Pra quem não sabe, é um espaço de cultura, numa loja do Mercado do Mafuá em Teresina. Cícero herdou o Armarinho São Francisco da família, e o conservou (armarinho, espaço e nome) com belíssima ampliação para as artes plásticas. Salve Cícero Mafuá. E nunca se viu mafuá tão completo assim...

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Duplo Eclipse

Lula Wanderley

"Duplo Eclipse", do artista plastico Lula vanderley, é um vídeo com dois poemas: 1. Palavra Luz. 2. "Malevitch e o funeral de Chico Science". É apenas uma fase de "videopoemas" do artista.

Como toda tecnologia internética youtubiana (podemos falar assim, já?) deixe baixando, de uma primeira vez, vá lendo o blog, e depois volte. Aí você pode passar direto. Por isso este vídeo foi posto no começo do blog. Ande fundo e volte. Então você curte o belo poema... Duplo... E escuro sobre escuro, claro é a arte. Lento. Vagarosamente. Vá vendo, mas leia abaixo.

O primeiro poema se auto explica, apesar da intrincada técnica de luz interna. No segundo, tento anunciar Malevitch pra quem não conhece: pintor russo (Kazimir Malevitch, 1878-1935), vanguarda da pintura russa, foi o mentor do movimento chamado Suprematismo. Levou o Abstracionismo Geométrico à sua forma mais simples e teve influencia nas artes plásticas brasileiras, notadamente em Lígia Clark e Hélio Oiticica. Lula recupera Malevitch no funeral de Chico Science, que morreu num acidente automobilístico justamente entre Olinda e Recife. Entre o branco e o preto de Malevitch.

Depois de bocas, a beleza plástica das letras e cores (branco e preto), como as línguas, são tantas quantas, que deixo você poder olhar... Espere e veja.

Nas horas vagas, o artista plástico que mais entendeu da obra de Lígia Clark, é o melhor psiquiatra que conheço. (Edmar).

OS DOIDOS DA MINHA MEMÓRIA

Edmar Oliveira

Manel Avião, Manelão, avião, ão, ão. Vrummmmm. E lá se ia Manel conduzindo um avião imaginário na mão direita, que já, já, virava asa e, abrindo os braços em duas asas, Manel era o próprio avião, que encantava os meninos que viam o Manelão como cena de cinema que ele fazia o voar na imaginação. Manel voava de verdade. E a lenda se espalhava na cidade. Na Piçarra, diziam, invadiu uma casa e roubou um rádio. Na Palha de Arroz seduzia meninos e meninas, que as mães zelosas não deixavam chegar perto do avião. Podiam ser levadas pra longe e se perder na escuridão da noite. Manel contava histórias. Histórias de cinema que se passavam em Teresina. Não sei que fim levou. O avião, com certeza, lhe levou embora...



Nicinha, pequenina, enfeitava-se de fantasias de carnaval durante todo o ano. Todo dia, toda aglomeração, discurso político, conversa de bêbados, papo de vagabundos, qualquer ajuntamento de gente fazia aparecer o pipoqueiro, o sorveteiro e Nicinha. E aí vinha ela. Numa elegância exagerada, maquiagem intensa, óculos de gatinha, fita colorida no cabelo, vestido de tafetá azul celeste. Qualquer que fosse o dia do ano Nicinha vestia a fantasia da terça gorda do Carnaval. Me encantava a sua presença. Era a marca de que o que estava acontecendo tinha importância. A porta do Teatro, o Bar Carnaúba, a Pedro II, o Café Avenida, eram lugares que só existiram pela presença de Nicinha. Me contaram que teve uma morte violenta com requintes de crueldade. E o criminoso nunca foi encontrado. Quem poderia fazer mal a um beija-flor tão bonito? Mas na minha infância tinha menino que engolia coração de beija-flor pra ficar guabes. Guabes, pra quem não conhece piauiês, é ficar com boa pontaria na baladeira. Baladeira, um piauiês tão bonito, é estilingue ou bodoque noutras pronúncias. E Nicinha e o beija-flor nunca fizeram mal a ninguém, mas morreram do mesmo jeito...


Bibelô era um bibelô. Genial quem inventou o apelido. Era um homem pequeno e delicado que se vestia de mulher, mas de forma tão fina, delicada, suave, diria mesmo harmoniosa. Não tinha o exagero de Nicinha. Era uma espécie de Carmem Miranda contida, pois que não tinha o exagerado da notável. Seus balangandãs, quinquilharias, indumentárias e adereços não agrediam aos olhos. Mais parecia um Matogrosso no início de carreira nos Secos & Molhados. Às vezes um turbante lhe tornava palestino. Uma maquiagem discreta fazia aparecer a Maria Bonita. Lembro da tristeza nos seus olhos. Aparecia e desaparecia nos portões, nas casas, nas mercearias. Pedia um café. Comentava alguma coisa e ia embora. Parecia não querer incomodar com sua presença. Mas assim mesmo tinha inimigos implacáveis que o perseguiam. Lembro de alguns de seus machucados provocados por agressões. Ele incomodava por ser diferente de tudo. Não era um travesti transformado pelas roupas femininas. Parecia um Rodolfo Valentino maquiado para entrar em cena. Não sei quando saiu de cena da cidade. Por certo com a discrição que o caracterizou...


E outros existiram. Mas estes marcaram minha existência de forma decisiva. É como se eles reafirmassem Teresina dentro de mim. E na cidade de minha infância, embora pequena, nunca encontrei os três no mesmo espaço. Cada um tinha seu pedaço de cidade para fazer sua aparição e performance. Só consigo reuni-los na memória: Bibelô dos olhos tristes, Nicinha com alegria estampada no corpo pequenino de beija-flor, Manelão voando no céu azul intenso das nuvens de algodão da cidade verde...

Crônica da Lavoura

Geraldo Borges


Em nossa nova terra onde fincamos a cruz, a espada e a bandeira de Portugal, em se plantando tudo dá, nas beiras dos rios, nos vales. Dá laranja, uva, româ, figo, lima da Pérsia, pêssego, morango, rabanete, canela, pimenta do reino, noz mostarda, gravo da Índia, manga, abacaxi, abricó, banana, coco da praia, e mais o que se queira acrescentar.


Os índios pintados de urucum cobertos de penachos, por aqui não plantavam nada. A natureza era uma dádiva para eles. Pescavam, coletavam, caçavam; tinham a mão tudo que precisavam. Mas eram pagãos. Não conheciam o Papa nem a Igreja. Precisávamos salvar as suas alma para o reino de Deus, para a comunidade cristã, sedenta de ouro. Terminamos descobrindo na pratica que havia entre eles tribos que devoravam gente. Uma vez devoraram um Bispo, que tinha o nome apetitoso de sardinha.

Mas, como eu estava dizendo, em se plantando tudo dá: pêra, jaca, tamarindo, sapoti, graviola, fruta pão, jambo, maxixe, quiabo, tomate, abóbora, jerimum, mamão, carambola, abacate, e não é preciso apenas o homem plantar. Às vezes os passarinhos, os morcegos, também plantam; as cotias, e outros roedores. Dá Batata. Muita batata para os vencedores.


É uma terra, conforme disse um poeta parnasiano, patriota, republicano: jamais negou o pão a quém trabalha. Acrescento, também a quem não trabalha. Como é uma terra em que se plantando tudo dá, também dá ouro, prata, muito ferro, pedras preciosas e outros minerais. Aqui existem montanhas inteiras que estão sendo postas abaixo na desenfreada busca de um El Dourado.

Pela cobiça de nosso território, Holanda e Espanha brigaram pelos direitos do mar e nos invadiram, sem saber que o mar era das gaivotas. A França também levou a sua parte. A Inglaterra, diplomática, entrou aqui pela enseada da abertura dos Portos às nações amigas. Eufemismo. A única nação amiga de Portugal era mesmo a Inglaterra.

Mas voltando a lavoura. Os europeus estão voltando. Voltaram. E estão plantando e está dando tudo. Estamos dando tudo, o nosso solo sagrado. Até o Piauí. O diabo é que eles falam em globalização. Mas não aceitam a gente lá, de onde eles vieram. Globalização para quem, então? Pelo visto eles estão plantando também o pomo da discórdia que está nascendo como erva daninha entre nós, cobrindo os campos da nossa terra.

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Geraldo Borges, o piauinauta do pantanal, aqui dizendo que o mais perigoso que a falta de alimentos são os agentes da tal da globalização...

1000ton



Desta vez 1000ton está expondo este cartoon na Polônia. (, 1000ton! pára de andar no mundo!). Mas cá pra nós, é bom ter um amigo ao redor do mundo... Corre Miltão, dia desses o Albert te enxerga lá no Piauí. Ou ele é cego?

E o cartaz que eles fizeram lá na Polônia, eu não consegui entender. Dizia assim:


Otrzymalismy prace nastepujacych autorow: - So far we have drawings from:R- Rysunek - Carton S-Satyra * Prace jurrorów poza konkursem * Representative jurry, Work beyond competition jest 200 uczestnikówIt is 200 participants

FELICIDADE GENÉTICA

Edmar Oliveira

Esses cientistas voadores e suas máquinas maravilhosas! Pesquisas em Universidade da Califórnia fazem uma revelação, no mínimo assustadora, sobre a noção que tínhamos de felicidade. Segundo tais estudos a sensação de felicidade, perseguida pela humanidade deste muito, é herdada geneticamente. Isto é, está determinado por sua herança genética se você vai ser feliz ou não.



Lendo a notícia, minha mulher logo temeu pela sorte de nossos filhos, pois ela me tem em conta de uma pessoa reclamona, preocupado com o destino do planeta, pessimista, enfim, uma pessoa desprovida de carga genética ligada à felicidade. Eu não fiquei preocupado por não concordar com ela nem com a notícia. Primeiro, porque entendo que a dose de pessimismo nesta vida pós-moderna está muito próxima de ser realista. O otimista corre sério risco de se colocar muito longe dos acontecimentos reais. Depois, o futuro do planeta não parece apresentar uma saída nem para seu destino, como queriam nossos sonhos do século passado, nem para seu destino físico. E não sei como não reclamar dos absurdos da vida moderna que impõe uma posição consumista aos seus membros sociais. Estes são meus desacordos domésticos que, segundo minha modesta opinião, contribuem para o meu conceito de felicidade, já que seria uma felicidade a condição de não me subordinar ao que discordo.


De outro lado, a minha discordância da tal pesquisa. Confundir características no humor de pessoas diferentes, cujas exacerbações mais evidentes a psiquiatria moderna nomeia como transtornos afetivos, com a noção de felicidade é muito arriscado. Aqueles atributos podem até ter, em parte, causalidade genética, embora ainda sem provas definitivas. Felicidade não vem só daí. Tem todo um entorno conjuntural. Aliás, em entrevista com a pesquisadora chefa, que agora me foge o nome, a moça ressalta que a carga genética responde por 50 a 60 por cento. Os outros 40 poderiam ser atribuídos a uma paixão ou um aumento salarial. Ah, bom... Disso eu não duvido. Um aumento salarial faz uma felicidade enorme nas pessoas.


Não aceitando que sou infeliz por discordar e reclamar de muita coisa no mundo, acho, agora não de forma modesta, que este tipo de pesquisa respalda o uso de pílulas da felicidade, que em muito sustenta a indústria farmacêutica na fabricação de necessidade de medicamentos de uso contínuo. O que não deixa de ser mais uma das imposições da sociedade de consumo... E eu me sinto feliz em não engolir isto.

Da Costa e Silva

Geraldo Borges


Velho poeta da cidade de Amarante
Dos engenhos de cana e rapadura
Tu foste embora para bem distante
E deixaste na serra a tua doçura.

Da Costa e Silva Parnaíba – Velho Monge
Saudade asa de dor do pensamento
Na torre da paróquia o sino tange
E os teus canaviais ruminam ao vento.

A tua rude moenda range e renge ainda
E os matutos tomam a tua cachaça
E sentem a tua presença tão bem vinda.

Da Costa e Silva eu te celebro agora
Por que a tua poesia é prece e graça
Feita com o Sangue de quem ri e chora.




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Geraldo, o Borges, homenageira um dos nossos maiores poetas. Tá dito. Feito...

A MOENDA

Da Costa e Silva



Na remansosa paz da rústica fazenda

À luz quente do sol e à luz fria do luar,

Vive, como a expiar uma culpa tramenda,

O engenho de madeira a gemer e a chorar.



Ringe e range, rouquenha, a rígida moenda;

E, ringindo e rangendo, a cana a triturar,

Parece que tem alma, adivinha e desvenda

A ruina, a dor, o mal que vai, talvez, causar...



Movida pelos bois tardos e sonolentos,

Geme, como a exprimir, em doridos lamentos,

Que as desgraças por vir sabe-as todas de cor.



Ai! dos teus tristes ais! Ai! moenda arrependida!

- Álcool! para esquecer os tormentos da vida

E cavar, sabe Deus, um tormento maior!



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Só pra ilustrar o soneto de Geraldo Borges acima. Na minha infância o meu tormento foi decorar a moenda. Mas me lembro como um bom tormento, tanta é a beleza das letras em Da Costa e Silva. Do livro "Zodíaco", em Poesia Completa, ed. Nova Fronteira, Rio, 1985.

NADA DE NOVO NO FRONT

Paulo José Cunha

“Lutar com palavras
É a luta mais vã
Entanto lutamos
Mal rompe a manhã”
CDA


Riscos de meteoros
sobre as mil e uma noites
do céu de Bagdá

O deserto é nítido e não sangra
Não há relatos épicos
Não há heróis

Estranha guerra,
indolor e inodora,
cômoda,
executada por homens, deuses
e joysticks

Guerra luminosa, fria,
criada em circuitos eletrônicos.
Imagens corretas, palavras precisas,
guerra cirúrgica, exata, asséptica,
(nem mancha de vergonha
a tela da TV).

?Onde a legião de aflitos,
as crianças em fuga,
as viúvas, os órfãos,
sob a chuva de napalm?
?Onde as balas, as fardas suadas,
a lama das botas?

Mas a guerra existe,
asseguram-me os repórteres da CNN
(embora não reste espaço para a lágrima
no abraço dos mísseis).

Diante da tela da TV
não sinto amor,
ódio,
compaixão,
pânico.
Não sinto nada.
Apenas o frêmito dos games
nas retinas secas.

E quando chega o tédio
desligo a guerra, ligo o videocassete
e vou comprar cigarros
na eletrônica certeza de que, na volta,
poderei assistir
aos melhores momentos
na companhia de um F-5,
sorvendo goles dourados de um scotch 12 anos
(mais velho do que muitas crianças
abatidas pelos scuds e tomahawks,
segundo o relato fiel
dos meus heróis da CNN).


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Quase tudo que um jornalista enfrenta na vida diária é largado aqui. Como um poema na beleza pura de qualquer remorso. Datado, mas o que não é pra lá de Bagdá? Salve o Cunha, poeta e jornalista candango. Brasilisnauta... E os versos do CDA são do cacetete...

MARIO FAUSTINO

SINTO QUE O MÊS PRESENTE ME ASSASSINA



Sinto que o mês presente me assassina,

As aves atuais nasceram mudas

E o tempo na verdade tem domínio

sobre homens nus ao sul das luas curvas.

Sinto que o mês presente me assassina,

Corro despido atrás de um cristo preso,

Cavalheiro gentil que me abomina

E atrai-me ao despudor da luz esquerda

Ao beco de agonia onde me espreita

A morte espacial que me ilumina.

Sinto que o mês presente me assassina

E o temporal ladrão rouba-me as fêmeas

De apóstolos marujos que me arrastam

Ao longo da corrente onde blasfemas

Gaivotas provam peixes de milagre.

Sinto que o mês presente me assassina,

Há luto nas rosáceas desta aurora,

Há sinos de ironia em cada hora

(Na libra escorpiões pesam-me a sina)

Há panos de imprimir a dura face

À força de suor, de sangue e chaga.

Sinto que o mês presente me assassina,

Os derradeiros astros nascem tortos

E o tempo na verdade tem domínio

Sobre o morto que enterra os próprios mortos.

O tempo na verdade tem domínio,

Amen, amen vos digo, tem domínio

E ri do que desfere verbos, dardos

De falso eterno que retornam para

Assassinar-nos num mês assassino.



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Mário Faustino (Theresina, 1930-Céu dos Andes, 1962). Poema de "O Homem e Sua Hora", Cia de Letras, SP, 2002.

A TURBA DO "PEGA E LINCHA"

CONTARDO CALLIGARIS

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Querem linchar para esquecer que ontem voltaram bêbados e não sabem em quem bateram

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NA ÚLTIMA sexta-feira, passei duas horas em frente à televisão. Não adiantava zapear: quase todos os canais estavam, ao vivo, diante da delegacia do Carandiru, enquanto o pai da pequena Isabella estava sendo interrogado.

O pano de fundo era uma turba de 200 ou 300 pessoas. Permaneceriam lá, noite adentro, na esperança de jogar uma pedra nos indiciados ou de gritar "assassinos" quando eles aparecessem, pedindo "justiça" e linchamento. Mais cedo, outros sitiaram a moradia do avô de Isabella, onde estavam o pai e a madrasta da menina.

Manifestavam sua raiva a gritos e chutes, a ponto de ser necessário garantir a segurança da casa. Vindos do bairro ou de longe (horas de estrada, para alguns), interrompendo o trabalho ou o descanso, deixando a família, os amigos ou, talvez, a solidão -quem eram? Por que estavam ali? A qual necessidade interna obedeciam sua presença e a truculência de suas vozes?

Os repórteres de televisão sabem que os membros dessas estranhas turbas respondem à câmera de televisão como se fossem atores. Quando nenhum canal está transmitindo, ficam tranqüilos, descansam a voz, o corpo e a alma. Na hora em que, numa câmera, acende-se a luz da gravação, eles pegam fogo.

Há os que querem ser vistos por parentes e amigos do bar, e fazem sinais ou erguem cartazes. Mas, em sua maioria, os membros da turba se animam na hora do "ao vivo" como se fossem "extras", pagos por uma produção de cinema. Qual é o script?

Eles realizam uma cena da qual eles supõem que seja o que nós, em casa, estamos querendo ver. Parecem se sentir investidos na função de carpideiras oficiais: quando a gente olha, eles devem dar evasão às emoções (raiva, desespero, ódio) que nós, mais comedidos, nas salas e nos botecos do país, reprimiríamos comportadamente. Pelo que sinto e pelo que ouço ao redor de mim, eles estão errados. O espetáculo que eles nos oferecem inspira um horror que rivaliza com o que é produzido pela morte de Isabella.

Resta que eles supõem nossa cumplicidade, contam com ela. Gritam seu ódio na nossa frente para que, todos juntos, constituamos um grande sujeito coletivo que eles representariam: "nós", que não matamos Isabella; "nós", que amamos e respeitamos as crianças -em suma: "nós", que somos diferentes dos assassinos; "nós", que, portanto, vamos linchar os "culpados".

Em parte, a irritação que sinto ao contemplar a turma do "pega e lincha" tem a ver com isto: eles se agitam para me levar na dança com eles, e eu não quero ir. As turbas servem sempre para a mesma coisa. Os americanos de pequena classe média que, no Sul dos Estados Unidos, no século 19 e no começo do século 20, saíam para linchar negros procuravam só uma certeza: a de eles mesmos não serem negros, ou seja, a certeza de sua diferença social.

O mesmo vale para os alemães que saíram para saquear os comércios dos judeus na Noite de Cristal, ou para os russos ou poloneses que faziam isso pela Europa Oriental afora, cada vez que desse: queriam sobretudo afirmar sua diferença.

Regra sem exceções conhecidas: a vontade exasperada de afirmar sua diferença é própria de quem se sente ameaçado pela similaridade do outro. No caso, os membros da turba gritam sua indignação porque precisam muito proclamar que aquilo não é com eles. Querem linchar porque é o melhor jeito de esquecer que ontem sacudiram seu bebê para que parasse de chorar, até que ele ficou branco. Ou que, na outra noite, voltaram bêbados para casa e não se lembram em quem bateram e quanto. Nos primeiros cinco dias depois do assassinato de Isabella, um adolescente morreu pela quebra de um toboágua, uma criança de quatro anos foi esmagada por um poste derrubado por um ônibus, uma menina pulou do quarto andar apavorada pelo pai bêbado, um menino de nove anos foi queimado com um ferro de marcar boi. Sem contar as crianças que morreram de dengue. Se não bastar, leia a coluna de Gilberto Dimenstein na Folha de domingo passado.

A turba do "pega e lincha" representa, sim, alguma coisa que está em todos nós, mas que não é um anseio de justiça. A própria necessidade enlouquecida de se diferenciar dos assassinos presumidos aponta essa turma como representante legítima da brutalidade com a qual, apesar de estatutos e leis, as crianças podem ser e continuam sendo vítimas dos adultos.

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Novamente repito outro artigo de Calligaris publicado semana passada na Folha de São Paulo. Acho que neste caso Contardo tá acertando de tal forma no alvo que não deixa ninguém mais comentar o assunto.

Nel mezzo del cammin

Dante Alighieri


INFERNO



CANTO I (trecho inicial)




No meio do caminho desta vida

me vi perdido numa selva escura,

solitário, sem sol e sem saída.

Ah, como armar no ar uma figura

desta selva selvagem, dura, forte,

que, só de eu a pensar, me desfigura?

É quase tão amargo como a morte;

mas para expor o bem que encontrei,

outros dados darei da minha sorte.


Não me recordo ao certo como entrei,

tomado de uma sonolência estranha,

quando a vera vereda abandonei.

Sei que cheguei ao pé de uma montanha,

lá onde aquele vale se extinguia,

que me deixara em solidão tamanha,

e vi que o ombro do monte aparecia

vestido já dos raios do planeta

que a toda gente pela estrada guia.

Então a angústia se calou, secreta,

lá no lago do peito onde imergira

a noite que tomou minha alma inquieta;

e como náufrago, depois que aspira

o ar, abraçado à areia, redivivo,

vira-se ao mar e longamente mira,

o meu ânimo, ainda fugitivo,

voltou a contemplar aquele espaço

que nunca ultrapassou um homem vivo.(...)

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Tadução: Augusto de Campos

Inferno (recorte), Hyeronimus Bosch (1450-1516), pintor flamengo