domingo, 24 de julho de 2016

Amarante





(Geraldo Borges)
                              
Conheci a cidade ribeirinha de Amarante quando ainda era menino. Eu vinha de Teresina e ia de férias para a propriedade rural de meu pai que ficava abaixo da cidade de Palmerais, antigamente, chamada de Belém. Geralmente fazíamos a nossa viagem para a    Bacaba a bordo de um vapor gaiola. Mas nesse período   a navegação a vapor já estava em plena decadência. E, por isso mesmo, meu pai bolou o seguinte plano.

Viajaríamos de carro, tipo jardineira, para a cidade de Amarante. Saímos da Praça Saraiva, local onde ficavam os Expressos. A Estrada era ruim, carroçável cheia de buracos, curvas perigosas.

 A jardineira deu o prego a boquinha da noite. Devido a demora para consertar o carro, chegamos   na cidade de Amarante   de madrugada. A neblina cobria os telhados dos casarios cercado de morros. Era como se tivéssemos em uma cidade fantástica. Alguns vultos noturnos cruzavam as ruas.

Agora íamos descer em uma canoa até a Bacaba, onde nossa mãe estava nos esperando. O canoeiro contratado por meu pai para o serviço fluvial já estava na beira do rio esperando por nós. Era o mês de julho, mês de férias escolares, e mês de frio. De caburé piando, piando. Tremendo de frio entrei na canoa. Lembro-me que não suportando o frio me agasalhei dentro de um saco de estopa daqueles de estocar coco babaçu. O canoeiro era bem-humorado, e contou piadas para animar a gente.

A lua minguante refletia-se palidamente sobre as águas do Parnaíba. Lá para as tantas, passamos rente ao morro da Arara. Aí o canoeiro falou: é aqui nesse morro que as araras costumam fazer seus ninhos. Do lado do rio, no abismo para dificultar aos homens a sua caça. Nunca me esqueci essa observação. Quando o canoeiro parou de falar ouvia se apenas o bater do remo no costado da popa das canoas que descia pelo canal caudaloso do rio daquele tempo. Não custou muito estávamos passando rente a cidade de Palmerais.

Logo que o sol apareceu, eu saí de dentro do saco de estopa. E ouvi meu pai dizer: estamos chegando na fazenda Tamboril. Tamboril era uma propriedade rural de um tio meu. Meu pai mandou o canoeiro aportar lá. Aí ordenou que eu subisse a ribanceira do porto e fosse avisar o meu tio que preparasse um café para nós. Dito e feito. O café tinha de tudo. Forramos o estomago até ficarmos saciados.

Chegamos a Bacaba mais ou menos às dez horas da manhã. Esse foi o primeiro contato que tive com a cidade de Amarante. Embora quando menino o seu nome me fosse familiar. Pois meu pai costumava comprar rapaduras fabricadas na cidade de Amarante para sortir o seu comércio na fazenda Bacaba.

Quando fiquei jovem, Amarante entrou em minha vida, no meu mapa de recordações pela voz do poeta Da Costa e Silva. Saudade asa de dor do pensamento nunca mais fez me   esquecer a cidade de Amarante. Rugidos vãos de canaviais ao vento traziam-me o sabor de suas doces rapaduras.

Depois apareceu a figura simpática do professor Odilon Nunes, um homem magro e bem fornido de ideias e que revolucionou a Pesquisa história no Piauí. A Argila da memória me faz lembrar também Clovis Moura, filho da terra amarantina. Cidade onde os rapazes se masturbam ou se apaixonam pelos animais e o delegado apenas faz de conta.

Outra figura que emerge do rio das minhas lembranças é Luis Ribeiro Gonçalves, personagem importante na cultura piauiense, foi aluno e Da Costa e Silva em Amarante, onde passou a infância, e com o poeta aprendeu confeccionar papagaio. No início do século vinte Amarante estava no auge do mercantilismo, negociava diretamente com a Europa.  Na cidade havia duas bandas de música. As mulheres iam a missa com vestidos caros e luvas luxuosas. Cunha e Silva, meu velho professor de história também era de Amarante. Carvalho Neto é de Amarante. Mas tudo isso são retalhos do passado no rio do tempo.

Hoje Amarante é uma cidade morta, ancorada à beira de um rio moribundo, berço de muitos vultos que deixaram o fantasma da infância nos becos e ruas da cidade, no adro da matriz e desceram o rio fugindo da aldeia em busca da metrópole.




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