domingo, 25 de janeiro de 2015

METÁFORAS


desenho: Villa

(Edmar Oliveira)

As religiões monoteístas sempre tentaram que seus livros sagrados fossem o código de conduta de uma sociedade. E, enquanto se confundiu com o Estado, era heresia não se acreditar no deus católico, que em nome de seu profeta, o Messias, queimou judeus na inquisição. Também foi em seu nome que se declarou que os índios não tinham alma, assim como os africanos, por não professar a fé do colonizador, que a Igreja respaldou a matança dos nativos e a escravidão de um povo.

Os judeus, povo que se acha eleito do deus de Abraão, foi escravizado por séculos no Egito até que Moisés os guiou a terra santa. Mas a terra já tinha outros donos e o povo judeu se espalhou pelo mundo unido pela fé de que o seu deus lhe daria a pátria um dia. Na segunda guerra, vítima do nazismo, quase foi exterminado. Depois da segunda guerra conseguiu parte da terra prometida e a ferro e fogo expandiu suas fronteiras submetendo seus inimigos, pela fé, a suplícios semelhantes aos que sofrera. Mas a republica sionista parlamentarista está mantida. Para azar dos árabes expulsos da sua (deles) terra a guerra continua submetendo uma cultura, que também tem livro sagrado, pelos ensinamentos sagrados dos hebreus. Por sorte de quem mora longe, o povo eleito tem uma nação única.

Em nome da civilização o Estado afastou a Igreja do seu seio para se declarar laico. Mas olhando para trás, a Europa cristã e suas colônias deixaram um rastro de sangue com que escreveram a história de uma dominação.

Porque no princípio era o verbo e a guerra era santa. A Andaluzia é testemunha da cultura árabe que dominou a Europa um dia e foi expulsa pelos reis católicos em nome de deus. Hoje os árabes voltam à Europa como refugiados das guerras em suas terras extenuadas de riquezas que foram tomadas pelo colonizador europeu. Vivem em guetos, oprimidos e discriminados por uma Europa que tem medo inconsciente do seu passado.

O islamismo, a religião monoteísta mais nova, assimila todas as outras em nome do profeta Maomé. Acham o Torá judaico e as Escrituras cristãs livros incompletos na revelação de Deus. Descendem também de Abraão, acham Moisés e Jesus profetas, mas que não tiveram a perfeita revelação de Maomé. O profeta Maomé recebeu do anjo Gabriel os ensinamentos de Alá inscritos em omoplatas e couro de carneiro. É o mesmo mito de Moiséis e de Jesus, mas o Alcorão recebido por Maomé dita um código de conduta que não permite separar o Estado da sociedade e da religião. E as repúblicas ou califados islâmicos foram, são e serão sangrentos. Uns mais, outros menos. Até que o estado deles seja laico. E o livro sagrado seja metáfora.
desenho de Villa

Entretanto, por ser uma religião "nova", e desde o começo confundida com o poder do Estado, inevitavelmente brigam pela disputa de qual linhagem contém os herdeiros de Maomé. Os descendentes da própria filha do profeta são a minoria xiita. E entre eles ainda há divisões. A maioria sunita também não é homogênea e são vários ramos em conflitos. Para o ocidente é muito difícil entender o conflito do oriente. E o ocidente alimenta este conflito religioso pela esperteza econômica de negociar armas. Mas essas armas já se voltam para alimentar uma guerra santa dentro da própria Europa.

Essa guerra santa em nome de deus é ridícula para os que não têm fé. E em nome da fé que temos na humanidade, ridicularizar alguns mitos, metaforicamente, é uma arma da civilização para que o ridículo possa desarmar a guerra santa. Não deu certo para os cartunistas do Charlie Hebdo.

Por que martelo nessa tecla, se todo ato terrorista é incompreensível civilizadamente? Porque aqui há algo mais. O ataque aos cartunistas foi em nome do profeta real. A piada não foi compreendida na metáfora, sublime atividade humana. A metáfora foi entendida como o próprio punhal que feriu o profeta. Aí já não exerceria sua função. Assim nos desumanizamos. Quando a Metáfora e a Espada não se diferem, acabou a civilização.



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