domingo, 19 de outubro de 2014

A LENDA DOS RIOS

(Edmar Oliveira)

"Jesus" andando sobre as águas
Foram várias as postagens neste blog da preocupação sobre a situação dos dois rios que abraçam minha cidade. Um que se arrasta lento e nos separa do Maranhão, outrora a nossa via de acesso ao resto do mundo, morre sufocado pelos bancos de areia do assoreamento de suas margens que aprisionam seu caminhar. O “velho monge” da definição do poeta Da Costa e Silva agoniza no seu leito de morte. O outro rio que nos apertava num abraço, desde a curva de São Paulo – passando pela floresta fóssil da Ilhotas – até o encontro das águas com o grande rio era o limite da nossa cidade. Quando estudei no Colégio Batista, várias vezes pulei os seus muros para banhar nas águas claras do Poty. Mas ele foi condenado pelo crescimento da cidade, que saltou para o outro lado do rio, ergueu edifícios e fez dele um esgoto dos dejetos sem tratamento. Há tempos ele vem parando, seguro por uma enorme quantidade de aguapés que se alimentam da merda.

Esta semana, um amigo postou algumas fotos na internet que me assustaram muito. Foi como não houvesse mais salvação para os rios que tanto cantei por aqui, preocupado com o seu destino.
No encontro dos rios tem um monumento ao Cabeça de Cuia, a nossa lenda mais metropolitana e cruel. Crispim, o pescador dos dois rios não conseguindo pescar nada em suas águas é recebido em casa pela velha mãe que preparou uma sopa com o osso da perna do boi – que chamamos “corredor”. O pescador, raivoso pela fome, com o “corredor” do boi golpeia de morte a velha mãe, que antes de morrer pragueja para que ele só se salve depois de comer sete Marias virgens, que lavavam roupas nas águas do rio. Daí em diante Crispim deixa deslizar pelas águas dos rios sua enorme cabeça, parecida com uma cuia, assustando as moiçolas virgens lavadeiras nas margens dos rios. No período de cheia Crispim rondava as margens do Poty. No período de seca ameaçava as virgens nas barrancas do Parnaíba.

Certa feita a Câmara de Vereadores quis instituir o dia do “Cabeça de Cuia”, mas a oposição embarreirou o projeto alegando que não se poderia homenagear um pescador que matou a mãe. Certamente que o dia do matricídio não podia ser instituído na província. Mas essa é a lenda mais urbana de nossa cidade quando ela era banhada por seus dois famosos rios.

Esse amigo, que falei acima, foi ao lançamento do livro “Cabeça de Cuia, a lenda” de Carlos de Holanda, que aconteceu no encontro das águas, no monumento erguido sobre a lenda, mais precisamente no seu centro artesanal. Um acontecimento notável e que reuniu muitos interessados na nossa história.

Mas este meu amigo, durante o lançamento, conseguiu fotos incríveis: uma mostra o rio com bancos de areia que fazem uma verdadeira barragem a seu curso. Noutra o meu amigo achou que via Jesus caminhando sobre as águas: um homem atravessava o rio com água nos pés. No centro artesanal havia um museu do peixe, com várias espécies de peixes que outrora eram encontrados nestes rios. Eu conheci este museu. Pois o meu amigo diz que ele está abandonado e o líquido conservante dos peixes está vazando. Os peixes que antes se encontravam no rio, logo não existirão nem no museu. A foto aqui postada comprovam estas histórias.

A gente brincava nas beiras dos rios dizendo para as meninas que o Cabeça de Cuia só queria as virgens. Uma espécie de cantada grosseira. Mas nós também tínhamos medo do Cabeça de Cuia.
Acho, com meus botões, que a lenda era para assustar os meninos e as meninas que se perdiam e morriam nas águas do rio. As águas caudalosas do Parnaíba de outrora afogaram muitos conhecidos meus e da cidade. O Poty era perigoso nas cheias, daí o Cabeça de Cuia se mudar pra lá. Em Teresina a gente tinha medo do Cabeça de Cuia nas águas dos rios e da Não-Se-Pode nas ruas escuras (volto a esta lenda depois).

Mas a lenda do Cabeça de Cuia acabou. As Marias virgens (se é que ainda existem) não lavam mais roupas nas suas águas. Os meninos não tomam mais banho de rio. E se banham não há a possibilidade de afogamento, mas de atolamento e de doenças dos esgotos.
Meu medo é que os rios virem uma lenda...

   

Peixe sem conservante: vai morrer de novo



Bar Flutuante encalhado num banco de areia

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Todas as fotos são de Kenard Kruel

E ATENÇÃO: AVISO AOS ASTRONAUTAS: O PIAUINAUTA INTERROMPE SUA FREQUÊNCIA QUINZENAL PARA FICAR FORA DO AR POR UM TEMPO NECESSÁRIO A QUE EU POSSA ME DEDICAR A OUTRA ATIVIDADE.
MAS EM MUITO BREVE VOLTAREMOS. APROVEITEM ESTAS POSTAGENS POR UM BOM TEMPO. FOLHEIEM O BLOG. SÃO MAIS DE 2000 POSTAGENS EM 7 ANOS EM ATIVIDADE. PROMETEMOS VOLTAR O MAIS BREVE POSSÍVEL.






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