quinta-feira, 20 de março de 2008
o mar de minas
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Esta foto fiz em Paraty, do mar para a montanha. E foi como se Minas chegasse ao cais... (Edmar)
QUASE UM NADA
Edmar Oliveira
Me lembro hoje da minha aldeia naquele começo de mundo. Começo pra mim, que estava construindo minha passagem na vastidão do planeta. A pequena cidade se desmanchava nas margens do Parnaíba. Rio manso, vindo de um mundo escondido no interior do Goiás, e indo se derramar num oceano que eu não imaginava como era e nunca foi igual ao vir a ser. E aquele rio calmo que passava em meu quintal tinha o remanso, a pororoca, a arraia, a Iara, o Cabeça de Cuia e todos os perigos que suas águas carregavam no seu vagar preguiçoso. E, escapando destes perigos na travessia, a Tresidela se apresentava ainda mais medonha. Tresidela era a outra margem, do lado de lá, uma outra terra, onde habitavam os mouros das lendas que minha avó contava...
Os mouros atravessaram o Atlântico nos medos dos portugueses e se refugiaram nas matas do Maranhão para ameaçarem a imaginação de um menino que delirava na beira do rio. Por certo que os mosquitos do fim do dia transportavam a malária que tornavam os mouros mais valentes e furiosos, com seus cavalos enfeitados de papel-de-seda e suas lanças de talo do coqueiro sangrando minhas primeiras memórias. Mas não podia esquecer a princesa, que tinha que ser salva e era a professora do colégio, ali tão frágil e sensível ao amor daquele menino que havia de vencer os infiéis...
Por que me coloco nestas lembranças? É que o planeta amiudou. Os conflitos em toda parte me dão medo, mais que o rio e seus perigos. E também já não tenho certeza de quem são os infiéis ou se os mouros são os inimigos. Não tem mais o outro lado da Tresidela. É tudo meio confuso aqui, ali, acolá... Sinto saudade de quando as coisas eram mais firmes. Sinto saudade de quando meu mundo era menor, ali na beira do rio. Naquele pedaço pequeno as possibilidades eram infinitas. Aqui na imensidão do planeta globalizado a esperança é quase um nada...
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ILUSTRAÇÃO: "Partida" de Paulo Moura, cartunista piauiense, do qual lembro como um garoto no passado, encontrado em http://paulomourateresina.blogspot.com/
John Donne
DE VOLTA AO FUTURO
Edmar Oliveira
Uma amiga minha, que faz uso regular de serviço de táxi, me contou esta história, que muito a contrariou. A gente sabe, motoristas de táxi tem manias, modos de relacionamentos, e um bom passageiro deve saber concordar com o time de futebol, a religião ou comentários sexuais do taxista, quase sempre sem expressar sua opinião pessoal. Impor um padrão é a tática de todo passageiro que quer levar o assunto pra onde lhe interessa. Esta minha amiga também tem um padrão particular. Depois do bom dia, boa tarde, fornece o endereço, palpita o melhor caminho a seguir (embora não dirija e isto possa trazer conseqüências desastrosas), discute um pouco o trajeto, e a partir de um consenso mínimo passa a entabular assuntos políticos ou sobre notícias recentes para fazer um apanhado de como pensa a população que não lhe é próxima. Não é firme na sua opinião para evitar querelas, e vai concordando para organizar o que pensa o taxista do assunto que está sendo tratado. Acha que isto funciona mais ou menos como as pesquisas dos institutos, que é um método também discutível. Mas vá lá, cada táxi carrega as manias de cada um...
Neste caso, ela prossegue, depois do bom dia, forneceu o local e quando sugeriu o trajeto ao motorista, que nem respondeu de forma firme ao cumprimento, não conseguiu a velha discussão costumeira sobre o melhor percurso. O taxista digitou o endereço fornecido num aparelhinho, querendo saber exato o número do prédio, o que não era necessário por ser perto de um monumento conhecido. Ele respondeu mecanicamente que precisava do número para achar o caminho. Curiosa, minha amiga fornece um número qualquer. Depois da digitação o carro parte sem um diálogo costumeiro, motorista e passageiro de olho fixo no aparelhinho, que na primeira esquina fala “dobre à direita”. O motorista obedece e minha amiga começa a ficar intrigada com o aparelhinho que vai monopolizar o assunto dentro do táxi.
“Melhor subir o viaduto em frente”, disse a voz de moça de aeroporto pelo aparelhinho e o motorista vai em frente. “Descer na agulha lateral direita”, “Pegar pista de rolamento ao centro”, “Manter direção por três cruzamentos”. Essas e outras ordens eram dadas pela voz do aparelhinho e o motorista tinha um olho na rua e outro no tracejar amarelo que fornecia o trecho percorrido e indicava a direção a seguir. Minha amiga, já sentido que estava num filme de ficção científica, depois de beliscar o braço pra saber se estava acordada, tenta balbuciar um “mas o que é isso?”, quando o motorista, todo orgulhoso, diz que “estamos sendo monitorados por satélite” e “meu GPS é um guia infalível”. A moça teve um sentimento horrível, após o beliscão. “Estou acordada e num filme de ficção”. Se o carro alçasse vôo e o aparelhinho dissesse “Anéis de Saturno à direita” não ia ficar surpresa...
Pensava na esquisitice desta vida neste século, quando foi lançada de volta para o futuro. A corrida acabara num lugar que não conhecia. Argumentou que o endereço era naquela rua, mas perto do monumento tal, que deveria ser no outro extremo. O taxista revida dizendo que o GPS indica que ali era o número fornecido e ali ela tinha que descer, pois que sua missão fora cumprida. Lembrando que fornecera um número aleatório, minha amiga não quis argumentar com a máquina, nesta altura já sem saber qual das duas, tal o comportamento robotizado do taxista. Pagou a conta e saiu em busca de outro táxi, rezando para que fosse de um velho taxista conversador e que não tivesse um GPS para complicar a vida...
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crônica dedicada a Patrícia Albuquerque1000ton
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1000ton representa a vida moderna em um dos seus cartoons selecionados que estão em exposição no Palácio de Tabriz, Irã. Se aqui pra nós o que está representado parece até ofender o feminismo duramente conquistado, imaginem o sucesso deste cartoon para um país que mantém a burca. Tudo é relativo. Parabéns e em frente 1000tão...
MARTIM PESCADOR
RELICÁRIO
o planetário perpétuo
Em Defesa do Soneto
O soneto vem de longe, começou antes mesmo da Renascença. O
Grand Dictionaire Universel, de Pedro Larouse, se expressa assim no verbete soneto.
“O soneto veio-nos da Itália. Considera-se geralmente que nasceu na Sicília, no século XIII. Há, em todo caso, quem tenha Petrarca como o seu inventor, ao passo que outros fazem remontar a sua invenção aos nossos trovadores. Em verdade, entre estes a palavra sône não significava soneto; aplicava-se ao contrário, a diversas poesias, com o sentido de canto.”
Vista a informação constata-se que o soneto não é de hoje, tem história e solidez na literatura ocidental. O movimento modernista, que quis botar abaixo tudo que existia de expressão romântica, parnasiana simbolista, declarou, de certa forma, guerra ao soneto. Depois que as águas da revolta baixaram, o soneto tomou de novo o seu lugar dentro da tradição poética do Ocidente. O soneto queiram ou não queiram os neo-modernos, ou mesmo os pós-modernos, voltou à tona.
Todos os grandes poetas modernos, os ícones da nossa literatura tiveram seu namoro com o soneto. Quem não conhece os belos sonetos de Drummond, Bandeira, Quintana,.Vinicius. Mesmo o concretismo, experimentado e elaborado pelos irmãos Campos, Pignatary, Ferreira Gullart, acabaram com o soneto. Quem não conhece os belos sonetos de Mario Faustino, com seus sonetos ele deu um salto de qualidade a literatura brasileira. O soneto é um gênero clássico e nunca envelhece. O melhor da poesia de Da Costa e Silva se expressa na excelência de seus sonetos. Qual o estudante piauiense que não conhece o soneto – Saudade? Seu livro Sangue, editado recentemente pela Oficina da Palavra, editor Cineas Santos, é composto quase inteiramente de sonetos...
Já ouvi alguém dizer que particularmente não gosta de soneto. Muito bem. Mais vale um gosto que seis tostões. Para o amigo eu respondo. Talvez não tenha tido a curiosidade de ler sonetos na infância, tempo hábil para o nosso cérebro se impressionar melhor com a magia da arte. Mas se alguém talentoso transformar alguns sonetos em uma composição de versos livres? Você vai gostar? É apenas uma questão de forma e conteúdo. Podemos transformar um romance em uma peça de teatro. Um exemplo. O autor piauiense Francisco Pereira da Silva transformou Memórias de um Sargento de Milícia, num belo texto teatral. Eu já li uma tradução do Corvo de Poe feita pelo poeta Jeir Campos em forma de sonetos.
Machado de Assis escreveu sonetos que jamais serão esquecidos, por exemplo: Carolina, O Circulo Vicioso. E os sonetos de Camões, de Bocage, Antonio Nobre? Eu particularmente adoro soneto. Existem muitas pessoas que gostam de decorar letras de musica, eu decoro sonetos. Pois eu fui apresentado a literatura brasileira mediante o soneto. Ora, (direis) ouvir estrelas, certo, perdeste o senso. A poesia não é para quem tem juízo. A prosa tudo bem.
Quem conheceria o Albatroz do Baudelaire, se não fosse pela composição de seu famoso soneto, o qual inspirou o poeta Carlos Pena Filho, que morreu tão novo a fazer o que segue.
A Charles Baudelaire
Carlos também
Embora sem
Flores nem aves
Vinhos nem naves
Eu te remeto
Este soneto
Para saberes
Se acaso leres,
Que existe alguém
No mundo,cem
Anos após
Que não vaiou
E nem magoou
Teu albatroz.
Um movimento pela maior reabilitação do soneto seria bem – vindo. Na poesia brasileira o soneto tem seu leito próprio e flui bem. Graciliano Ramos aprimorou seu estilo fazendo sonetos na juventude, só que nunca os publicou, por modéstia, talvez. Euclides da Cunha também fez sonetos. E dos bons. Um dos poetas mais lido no Brasil é Augusto dos Anjos, grande sonetista. A poesia Brasileira nasceu sob o signo do soneto. É só remontarmos a Bahia e nos darmos ao deleite de ler Gregório de Matos. Com o fim do barroco e o deslocamento da cultura brasileira para Vila Rica o soneto passou a ser cultivado pelos árcades mineiros, sobreviveu ao romantismo, ao parnasianismo, ao simbolismo, ao modernismo e continua sendo uma força de expressão em nossa literatura...
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Geraldo, o Borges, eremita do Pantanal, nos brinda com uma ode ao soneto. Certo que ele faz dos melhores, como "O Parnaiba", publicado na última edição deste blog. Mas hoje ele apresenta uma homenagem ao Lima, o Barreto.
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Lima Barreto
Geraldo Borges
Afonso Henriques de Lima Barreto
Este é o nome completo do escritor
Pra ele estou fazendo este soneto
Como prova de estima e de louvor.
Afonso Henriques de Lima Barreto
Este é o nome de um autor completo
E ao terminar de compor este quarteto.
Mais uma vez reafirmo o meu afeto.
Afonso Henriques de Lima Barreto
Nem todos gostavam de ouvir teu nome
A Academia muito menos o Itamaraty
Afonso Henriques de Lima Barreto
Mesmo assim alcançastes renome
Vamos então brindar parabéns para ti..
AMANHÃ
Amanhã, ilusão doce e fagueira,
Linda rosa molhada pelo orvalho:
Amanhã, findarei o meu trabalho,
Amanhã, muito cedo, irei à feira.
Desta forma, na vida passageira,
Como aquele que vive do baralho,
Um espera a melhora no agasalho
E outro, a cura feliz de uma cegueira.
Com o belo amanhã que ilude a gente,
Cada qual anda alegre e sorridente,
Como quem vai atrás de um talismã.
Com o peito repleto de esperança,
Porém, nunca nós temos a lembrança
De que a morte também chega amanhã.
Nicolas Behr
bem, é melhor não falar nisso
quem sabe não vou deixar puto
alguém com influência no governo?
com amigos na polícia?
eu é que não vou cair nessa conversa
de que todos são iguais perante a lei
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Tenho um livro do Nicolas, o poeta do planalto central, autografado, melhor, um mimeógrafo autografado. Portanto abuso...
Cantigas de Amor para Duas Cidades
Há quem te veja nave de aço, avião
mas eu te vejo ave de pluma,
asas abertas sobre o chão.
Há quem te veja futurista e avançada
mas eu recolho em ti a paisagem rural
lá de onde eu vim:
fazenda iluminada.
E quem declara guerra a teu concreto armado
nunca sentiu a paz do teu concreto desarmado.
Há quem te veja exata, fria, diurna e burocrática
mas te conheço é gata noturna, quente, sensual - enigmática.
Há quem te gostaria só Plano Piloto, teu lado nobre,
mas eu também te encontro na periferia, teu lado pobre.
Há quem só te reconheça nos cartões postais
mas eu te vejo inteira, Planaltina,
cercada de Gamas, Guarás e Taguatingas.
Aos que só te querem grande - Patrimônio Mundial,
egoisticamente te declaro patrimônio meu, exclusivo:
Brasília minha
e, no meu bem-querer diminutivo, Brasilinha.
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Há quem te queira apenas Capital,
Cheia de prédios, moderna, vertical.
Mas te queremos também horizontal,
cidade calma, arejada, tradicional.
Há quem te queira só central,
nervosa, agitada - comercial.
Mas nós te amamos também periferia,
cidade alegre, de gente pobre, simples: natural.
Falar mal do teu calor é puro engano
(de quem não conhece o teu calor humano)
Os que só vêem em ti o moderno e o novo
não perceberam ainda que a cidade é o povo
e que és mais que cidade - és a síntese
de um Estado que olha pro futuro
sem jamais esquecer o seu passado.
Claro que te queremos grande, moderna, progressista,
mas te queremos sempre - eternamente - ingênua e pura,
amiga, sentimental, sempre menina,
ternura antiga, flor mimosa - Teresina.
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Paulo José Cunha, o piauinauta candango comparece com duas canções pros seus amores brasilis. A segunda usou como resposta ao desafio do Salgado Maranhão, já publicado aqui na edição anterior, e que Cinéas chamou Cantando Teresina.
Ex-Teresina
Teresina,
A minha,
Esta não há mais.
A minha
Era uma cidade sem cais
Pois essa atual veio depois
Do desaparecimento da Palha do Arroz
A Teresina
Dos Cajueiros
Do Barrocão
Da Maria Tijubina
Essa não mais se mostra à retina
A da Estrada Nova
Da Baixa do Chicão
A da usina
Não há mais tal Teresina
A da vitamina do Mundico
Do pastel do Gaúcho
E a do bar Carnaúba
Do programa do Al Lebre
Da crônica do Carlos Said
Das aulas do A. Tito Filho
Das agências da Saraiva
Do teatro do Santana e Silva
Das raparigas no corso
De tudo que já foi
Resta a cajuína
E uma nova Teresina
Que nunca termina
E constantemente nos ensina
A ter seu amor como sina
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Também este poema, do poeta Climério Ferreira, pertencente ao clã dos irmãos Ferreira de Amarante, me foi mandado pelo mestre Cinéas na corrente por e-mail "Cantando Teresina".
quinta-feira, 6 de março de 2008
Ocaso
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O VAPOR DO PARNAÍBA NÃO NAVEGA MAIS NO MAR
Saía um vapor do cais do Parnaíba, que nem trem, puxando várias barcaças. Carregado de gêneros de primeiras necessidades. Como se fosse uma mercearia deslizando no rio. Sabão, óleo, açúcar, sal, e umas brevidades que a cidade anunciava estavam no balcão flutuante. A tarefa era trocar estas mercadorias por coco babaçu e cera de carnaúba, que seriam beneficiados na capital e eram artigos de grande valia. O comboio subia o rio por uma margem e voltava pela outra. Escambo era a forma econômica de então. Não tinha dinheiro na transação. O convencimento, a barganha, o espírito do árabe que habita cada nordestino fazia o acontecer do toma-lá-dá-cá, das negociações. Ia uma barca mercearia, voltava uma barcaça de matéria prima pros ingleses que exploravam os nativos. Meu velho pai fazia o papel do representante inglês. Enrolando seus conterrâneos, com certeza. Só quem não conhece a leis da economia acha correção no comportamento dos negociantes. Quem se deu bem conta a história, quem fracassou, nem sei.
E lá se ia o vapor e seus vagões. Barcaça seca, barcaça cheia, sempre que mais cheia do que veio. O querosene valia muito mais que o babaçu. E quem pesava tava quase sempre na barca, não na terra. Me lembro destas viagens, nas que acompanhei meu pai, e do rio. O Parnaíba parecia um mar. Talvez na minha imaginação, mas com certeza no avançar das águas que ainda não tinham sido presas na Barragem de Boa Esperança, que acabou com a esperança do rio correr pro mar e carregar o vapor e as barcaças.
Ainda me lembro dos vapores de passageiros. O mais famoso deles era o vapor do Rafael. Não sei quem era o Rafael, mas certamente ele tinha orgulho de sua propriedade para botar seu nome no casco. Os vapores eram de aço com uma chaminé fumarenta que apitava na chegada e na saída do porto. Um verdadeiro navio com um convés cheio de redes, balaios com galinhas, potes de barro, malas de couro. Mas um luxo a viagem! Nem todo mundo podia viajar de vapor. De Palmeirais a Teresina era rápido. Voltar contra a correnteza levava mais que o dia todo. Quando me perguntam se nunca fiz um cruzeiro conto as aventuras no Parnaíba. Pobre ia às balsas desfraldadas, feitas com buriti e com uma casinha de palha de coqueiro. E lá iam os balaios de galinhas, potes e outras cerâmicas de barro, bacuri, pequi, pitomba, macaxeira e verduras, que eram comercializados no cais de Teresina. Inclusive as balsas eram desmanchadas e vendia-se até os paus de buriti (pra fazer cerca ou gaiola) e a cobertura de palha, já que balsa só desce o rio e não tem viagem de volta. O retorno era no pau-de-arara ou no lombo de burro. Eu tinha loucura pra viajar numa balsa, mas nunca tive o desejo realizado.
Diziam que estes pequenos e valentes navios eram fabricados na Inglaterra e vinham navegando até o delta do Parnaíba, onde entravam sertão adentro para fazer do rio uma estrada. E neles viajei muito. Conhecia aquelas beiras de rio, seus povoados, pescadores e lavadeiras olhando do alto do convés do vapor ou de dentro de uma barcaça puxada por um vapor de carga, que funcionava como locomotiva das águas.
Lembro destas histórias porque outro dia olhava o rio do cais de Teresina. E ele parecia me dizer o quanto estava sofrendo. Os bancos de areia, que nós chamamos de crôa ou coroa, pareciam sufocar o rio. O assoreamento de suas margens, o correr vagaroso do rio, parece sinais clínicos de falta de ar. O odor fétido de suas outrora luminosas águas anuncia uma grave doença. Desde que prenderam suas águas em Boa Esperança o rio vem perdendo a esperança de viver. Parece que vai morrer. E isto dói muito em mim...
O PARNAÍBA
O rio Parnaíba é um rio torto
Que da voltas por dentro do mato
É um rio que está quase morto
Maltrapilho de tanto mal – trato.
O rio Parnaíba é m rio sujo
Com as mãos estendidas em suas margens
Foi se o tempo que tinha marujo
Para contar historias de torna viagens.
O rio Parnaíba está se arrastando
Esfarrapado pela beira do cais
Não agüenta o peso das pontes de concreto
O rio Parnaíba está adornando
Água esvaindo pelos seus beirais
E o seu leito vai ficar deserto.
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Republico este belo e triste poema de Geraldo Borges, o piauinauta do pantanal, pela nostagia que me envolve o rio morto e tão vivo na memória...
A ARCA DO FIM DO MUNDO
Os países nórdicos enfiaram uma construção sob uma profundidade de setenta metros no gelo do ártico, que mantém uma temperatura de menos dezoito graus Celsius, para que fossem conservadas sementes de espécies vegetais produtoras de alimentos. A geladeira, que lembra a fortaleza do Superman, foi construída para suportar uma guerra nuclear, meteoritos que exterminaram os dinossauros e outras intempéries que possam abalar o planeta.
Juro que não sei pra que serve, apesar de inspirar um bom roteiro de Hollywood: Bruce Willis ou Will Smith, após uma catástrofe planetária, ficaria sozinho (apenas um deles) na companhia de uma cadela, encontrava uma bela jovem e conquistavam, juntos (um dos dois, a jovem e a cadela), a geladeira, cujos grãos povoariam novamente o planeta devastado, talvez para repetir as mesmas bobagens que levaram a devastação. A repetição não prova que o Universo é infinito? Agora na vida real, na vida como ela é, do velho e bom Nelson Rodrigues, nosso herói encontraria uma vizinha nos escombros da catástrofe, que sempre teve afim, mandava a cadela procurar cachorro e não ia atrás de geladeira nenhuma, pois a humanidade que se fosse, já que não deu certo mesmo. Ele e a mocinha tirariam o atraso dos olhares trocados. Coisas do Nelson. Que são muito melhores que as de Hollywood...
Mas enfim, falando sério, duvido de que os que escapassem de tal tragédia tivessem fôlego para achar a Arca. Se a humanidade recuperasse o planeta talvez esta história virasse a lenda da Arca de Noé, que nunca foi encontrada.
Chamada de Arca do Fim do Mundo, ela foi criada para recontar a história das terras que Caminha vaticinou “em si plantando”. Só que depois da catástrofe, que terras são estas para refazer as plantações? Imagino cajueiro dando maracujá, o que acontecia no nordeste em árvores caducas.
Mas o destino da humanidade parece inexorável. Ao invés de ações para a preservação do planeta de forma global, e só assim teria sentido, fica-se tentando guardar partes. Como se estivéssemos conformados com o fim dos tempos. A Arca do Fim do Mundo parece àquela mania de guardar bem guardado pra ninguém achar mais. Planeta perdido, geladeira desligada...
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confira vídeo "A Arca do Fim do Mundo" (botão direito do mouse/clicar em "abrir em outra janela")
Paraty
Divulgando Lançamento
Agora tenho em mãos esta imensa pesquisa que ele fez sobre Torquato Neto. Confesso que discordei frontalmente dele quando começou a fazer este trabalho. Ele havia me mostrado uns dos primeiros poemas de Torquato Neto, entusiasmado. Fui ver, era um poemeto de menino, que Torquato Neto havia escrito, num remoto dia das mães, para a Dona Salomé. Eu fiquei puto, falei que publicar aquilo era uma aberração, que Torquato Neto rasgaria a relíquia se vivo fosse, que Kenard Kruel esquecesse e tal. Mas hoje tenho em mãos um trabalho gigante, obstinado, bem documentado - e o que é melhor - cheio de inéditos de e sobre o anjo torto da Tropicália.
Sabedoria Universal
Para tornar-se dono da sabedoria universal, leu todos os livros do mundo. Mas ao chegar à última página do último livro percebeu desolado que toda palavra é símbolo, e por não ser a coisa que simboliza, por definição todo símbolo é falso.
Tudo o que aprendera era a mais deslavada mentira. Para alcançar a verdade, teria de desaprender tudo. Resolveu desler todos os livros, lendo-os novamente, só que de trás pra frente. Já velho, quase cego, ao chegar à última palavra da primeira página do último livro, descobriu que continuava desconhecendo a verdade. Em compensação, tornara-se senhor de todas as mentiras do mundo. Conhecia-as em todos os detalhes. E agora, tanto pelo direito e como pelo avesso.
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Paulo José Cunha nos brinda com mais um "Conto Mínimo". Que se repita...
É peixada ou moqueca?
Vinhas
Sou mais do vinho
que da cerveja.
Veja:
com o vinho
adivinho
o que desejas...
ou seja:
vinhas
aonde ao invés
de uvas
há cerejas.
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Sérgio Natureza dispensa apresentações. Conheci o poeta numa tarde deliciosa na companhia de outros dois: Salgado Maranhão e Cinéas Santos. Este poema me chegou por Cinéas. Mas intimo o Natureza e Salgado comparecerem aqui no espaço pelas próprias pernas.
Salgado Maranhão
Caso fosse aluno do professor Luiz Romero, gostaria de lhe pedir licença, e, em seguida lhe fazer uma pergunta: qual o critério que usou para falar sobre literatura piauiense e dizer que alguns escritores fazem parte dessa literatura. Como, por exemplo: Salgado Maranhão, que nasceu em Caxias, Morou algum tempo em Teresina, mas nunca publicou um livro de poesia no Piauí, que eu saiba. Hoje mora no Rio de Janeiro, é muito mais conhecido por lá do que por aqui; muitas de suas poesias são letras de músicas; pois além de poeta é letrista, já participou de antologias nacionais. Tem alguns poemas publicados na revista Encontro da Civilização Brasileira, que saiu de circulação. È acima de tudo um poeta brasileiro que saiu do Piauí muito cedo.
Se os críticos literários e os estudiosos da literatura piauiense se acham no direito de registrar Salgado Maranhão como poeta piauiense Tudo bem. Mas é preciso mais explicação. Salgado Maranhão gosta do Piauí. Mas não acredito que tenha interiorizado poeticamente a cidade de Teresina a ponto de expressa-la como Drummond fez com a sua cidade quando disse: Hoje Itabira é apenas uma fotografia na parede, mas como dói. Pode até ser que Salgado Maranhão tenha alguns poemas sobre Teresina. Eu não conheço.
Conheço da Costa e Silva, com a sua poesia que fala da cidade de Amarante e do rio Parnaíba, Clovis Moura que também rende homenagem a sua cidade, João Ferry, com o seu livro A Chapada do Corisco, William Soares com seus versos líricos, sobre os meninos que empinam papagaios e os vapores que se evaporaram à beira do cais Paulo Machado com seu universo lírico da Piçarra e da praça Pedro Segundo, O G Rego de Carvalho, com seus romances que se passam em Oeiras, Teresina, Timon, H Dobal, com suas poesias ambientadas na paisagem telúrica de Campo Maior, Assis Brasil, com sua tetralogia, enfatizando o esplendor e a decadência da navegação no rio Parnaíba, Fontes Ibiapina, com seus romances marcadamente regionais, moldado em um linguagem caipira, Victor Gonçalves Neto, com seu conto O Fogo, um retrato vivo dos incêndios de Teresina, Pedro Celestino, com seu livro Sinais de Seca, não obstante, o titulo, a maioria dos seus contos são urbanos, e refletem muito bem o tempo em que ele viveu na capital do Piauí,. Magalhães da costa com seus Casos Contados Airton Sampaio, com sua temática marcadamente piauiense..Poderia citar outros. Mas o tempo é curto e páginas estão pautadas.
Para que um escritor seja considerado regional tem que contar a história de sua terra, tem que partir do particular para o universal. Quando falo do regional não estou falando do pitoresco do bizarro, estou falando da geografia e da história, do homem e de seu ambiente.
Com isto não quero dizer que a literatura tenha que está simplesmente agregada a aldeia do poeta. Mas que começa por aí, começa. Cristo começou contando parábolas sobre o seu povo, e foi além das fronteiras da Galiléia . Fernando Pessoa fala de muita coisa, do homem duplicado, do homem múltiplo, com seus heterônimos; também fala do mar, que de alguma forma era um dos universos do povo português.José Salgado dos Santos, preferiu ser Salgado Maranhão, o que não é a mesma coisa que o primeiro nome de batismo, é alguma coisa a mais. Não é Salgado Piauí. Um nome é uma bandeira. Acredito que é forçar um pouco registrar o poeta como escritor piauiense. O poeta nasceu em 1953, em Caxias. .Viveu sua adolescência na Piçarra. Foi para o Rio em 1973. Faz mais de trinta anos que se estabeleceu ali. .O Rio é uma cidade fascinante, e o deixou encantado, com certeza ele é mais conhecido lá do que no Piauí. Prefiro aceitá-lo como poeta carioca nascido no Maranhão, daqueles que saem da província e conquistam a metrópole; e, por isto mesmo, adquirem o respeito e a admiração dos amigos, inclusive o meu.
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E por falar no Salgado, Geraldo Borges comenta hoje o homem. Parece provocação. Minha é.
Teresina
para Luis Romero
Procuro meu rosto
desgarrado em tuas vias;
caminho sob os oitis
da Praça da Bandeira
(que me não viram chegar
numa manhã de domingo)
com a solidão no calcanhar.
(Ali,ao sol de novembro
em que assinei sem saber
o preço da poesia).
Procuro de porta
em porta
(onde vendi sonho a crédito)
tuas ínfimas impressões
no intraduzível ontem.
Procuro por toda a parte,
no aroma dos quintais,
no desenredo das ruas,
nos espelhos desarmados,
essa intima refulgência
com que forjaste meu caule.
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Senhores e senhoras, este espaço é mágigo. Depois da crítica do Geraldo Borges acima, recebi do mestre Salgado sem suplicar. Chegou assim meio sem jeito pelo Cinéas e o PJCunha. Só pra contrariar Geraldinho. Este poema inaugurou uma provocação que mestre Cinéas chamou "Cantares para Teresina". Depois publico outro de outros autores.
Bicicleta Inesquecível I
Paul Newman e Katharine Ross em cena memorável de Butch Cassidy. A bicicleta é a mensagem. Inesquecível trilha sonora. 1969.
Bicicleta Inesquecível II
Mardita. Cair, beber, levantar. Vídeo que circula na internet no qual a bicicleta também é a mensagem. Boa, mas esquecível trilha sonora. 2007.
Um dia estava com um amigo em Picos e a diversão noturna, sentado na calçada na beira da Rodagem, era ver bêbados e suas bicicletas. Pensei em filmar aquilo. Não fez, levou, diz o outro.