terça-feira, 1 de janeiro de 2008

LEONARDO MOTA

Meu irmão Maioba, lá de Teresina, encontrou esta preciosidade e me mandou. Meu primeiro contacto com o Leonardo Mota se deu folheando seus três livros de prosa e poesia que meu velho tinha em casa. E ressoa os versos de Leonardo na boca de meu pai nas manhãs domingueiras antes de embarcamos na vemaguete para visitar as casas dos tios e tias. Em cada casa uma cachaça e tome prosa e verso leonardiano.Fui crescendo e me esquecendo.
Relendo este texto, verdadeira poesia em prosa, redescubro a arte de escrever do velho Mota. Não sei se em vocês o texto vai fazer o estrago que fez dentro de mim. Mas que o rebuliço emotivo foi grande, foi... (Edmar)



Leonardo Mota

Em 1928, o folclorista cearense Leonardo Mota, publicou um livro intitulado "Sertão Alegre" em que registra em uma de suas páginas a imponência da economia parnaibana contemplada por um matuto que escreveu para a mãe depois de visitar a cidade. A carta intitulou-se "Parnaíba como ela é", e diz o seguinte:


"Mamãe, Parnaíba é uma cidade monarca de grande. De manhãnzinha se alvoroça tanta gente na beira do rio que parece formiga arredor de lagartixa morta e quase tudo é trabaiadô caçando ganho. O mercado é outro despotismo: se arreune mais povo do que na desobriga, quando o padre diz missa na capela dos morros, da dona Chiquinha.

Tudo se vende, de tudo se faz dinheiro: fiquei besta de ispiá gente comprando maxixe, quiabo, limão azedo, folha de joão-gome e inté taiada de girimum. O passadio daqui é bom. Todo dia eu como o pão da cidade com manteiga do reino.

Mamãe, as coisa aqui são muito deferente e adeversa daí. As casa são apregada uma nas outra que nem casa de marimbondo de parede. E é quase tudo de telha e ati-jolada. E tem umas delas calçada e forrada de tauba por riba, que nem gaiola de xexéu e que chama sobrado. Gente rica aqui é em demasia. Inda onte numa loja eu vi uma ruma de dinnheiro de cobre no chão que parecia juá, quando se ajunta mode dá pra bode em chiquêro.

Mamãe, a ingreja faz até sobroço de grande e alta. Cabe dentro dela todos os morador de Barra das Laje, do Bom Princípio, da Fazenda Nova e ainda se adiquere lugar pra mais de cem vivente. O povo daqui tem um cestro muito ingraçado: não diz "ô de casa", não! quando chega nas casa alêia, batem palma como quem estuma cachorro mode acuá tatu em buraco.

Mamãe, a luz daqui é feita num tal de gazômi. Não precisa pavio, nem trucida de algodão mode acender: é só distrocer uma torneira como quem tira cachaça de ancoreta e riscar um fosco que a luz acende biata-mente e tão quilara que faz é gosto! Se o cristão não acender mais que dipressa, ispaia um chêro de cibola podi danada, diz que pru via de um tal de carbureto.

Mamãe, aqui tem um jogo chamado biá, que não hai diabo que intenda, mas porém só joga nele gente de famia: é arredó duma mesa grande, forrada cum pano, como baú de pregaria, e os jogadô sigurando umas vara mode impurrá umas bola que é vê ovo de ema. Quando estão jogando, dê pur visto dois mexedor de farinha num forno de barro, ajeitando os rodo, mode não dismanchar os bejú.

Mamãe, aqui tem também um latejo invisive que é um tal de ci-nema. É só a musga tocar, aparece umas figura de gente, de animal e de rua, tudo prefeito, mesmim como se tivesse vivo e bulino. O cinema é um pano esticado, parecido com vela de embarcação e é a coisa mais bunita e mais encantada que eu já vi.

Mamãe, cheguei ontem da Tutóia. Fui nas barca da Cumpanhia Busse mode trabaiá no vapô inguilês, ganhando dois minrréis por dia e quatro por noite. Na Tutóia a gente vê o mar até onde ele incosta nas parede do céu. As barca sacode agente chega faz dor de is-tambo e vontade de gumitar que nem urubu novo, tudo isso pru via do disassuçêgo do mar.

O vapor inguilês é um pai dégua de grande, maior do que a vasante de fumo do cum-pade Domingo Preto e mais alta do que o pé de tamarina da porta lá de casa. Os purão de botá carga são tão fundo que escurece a vista dos cristão que ispia. O pessoal que mora no vapor são tudo branco rosalgá, ôi azul e os cabelo vermêio.

A fala deles só pudiabo, não hai quem intenda: é uma imbruiada como de priquito em roça de mio novo. São danado por papagai e por cachaça: dão inté ropa de gazimira novinha por um papagai ou por uma garrafa de geribita. Quando os inguilês fala uns cos outro é uma trapaiada direitinha a de tia Damiana, adispois que teve a mulesta do ar.

Mamãe, pr'eu lhe contar tudo direitamente como é esta Parnaíba não hai papé que chegue. Vou acabar pruquê já me dói as buneca dos dedo de eu tanto iscrevê. Sua bença."

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