quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Cisma de um Príncipe Regente

Geraldo Borges

Ela estava dizendo para corremos, senão iriam pensar que estávamos fugindo, que lucidez. No entanto ela é uma louca, a minha mãe. Maria, a louca. Na verdade estamos fugindo. Mas para melhor colorir a nossa história, esta fuga é chamada de transmigração da família real de Portugal para o Brasil. Realmente. E assim fomos obrigados a atravessar o Atlântico Norte em alguns barcos que quase nos levaram a pique, tal a situação precária em que se encontravam. Além do mais escoltados pela armada inglesa . Malditos ingleses. Mas sem a sua colaboração teria sido pior. Melhor dizer, maldito Napoleon. Este sim era o nosso pior inimigo. Mas quem nos tira da merda nem sempre quer o nosso bem.

Napoleon colocou Junot em nosso encalço. Não tinha outro jeito. Tivemos que por sebo nas canelas. Nunca pensei em colocar Carlota Joaquina nessa situação. Ela parece que estava adivinhando isso quando mordeu a minha orelha a primeira vez que me viu. Minha mulher detesta os trópicos, muita exuberância, muita chuva, muito mosquito, o fedor do povo, que aliás não passa de uma figura de linguagem, uma metáfora, pois num regime de escravidão não existe povo.

A chegada foi horrível. O povo, pasmado, nos olhando, as mulheres, os homens todos de cabeças rapadas, por causa dos piolhos que se alastraram dentro dos navios mal cuidados. Já mão agüentávamos mais as nossas roupas surradas, puídas de maresia, caindo aos pedaços. Os ratos roendo tudo. E agora como vai ser a acomodação para tanta gente? Meu Deus. Uma corte inteira de covardes. Foi preciso desalojar as casas de meus súditos. Na verdade foi uma invasão. Aconteceu em cima da hora a toque de caixa. O expediente para arranjar acomodações foi colocar na porta das casas escolhidas as iniciais PR. Príncipe Regente. Eu, o príncipe regente. Minha mãe como já disse, estava louca. Mas tenho certeza que se estivesse no governo teria ficado em Portugal enfrentando os soldados de Napoleon, juntamente ao lado do povo. Mas falar em povo, a população do Rio de Janeiro dava uma leitura zombeteira para as letras PR. Traduzia assim: ponha –se na rua... Era isso mesmo. Napoleon invadindo Portugal e nós invadindo a nossa colônia.

Ocupamos quase todo o Rio de Janeiro. Era muita gente Precisávamos de muito espaço para colocar toda a tralha que trouxemos .

O tempo foi passando. O Rio agora era o meu reino. Mas o meu maior problema era Carlota Joaquina, que de uma hora para outra fazia a minha orelha arder. Vivia conspirando contra mim a favor de seu filho dom Miguel. Dizem que me corneava, pode ser, tudo bem, isto acontece até mesmo na família real inglesa, os nossos protetores. Este clima aqui muito luxurioso, amolece o caráter, aumenta a gula. Só no jantar eu como mais de três capões com farofa.

O povo português reagiu a invasão francesa, estão lutado, os ingleses estão dando uma ajuda militar. O certo, é que eu não devia ter vindo para tão longe. Fui vitima de uma conjuntura história em que na verdade a diplomacia do meu país decidiu por mim juntamente com os ingleses. Os franceses estão recuando, um dia vamos ter que voltar para a nossa terra. O Brasil agora é um reino. Reino do Brasil Portugal e Algarve. E eu comando tudo isso, ou penso que comando. Deram-me noticias que Napoleon está preso e a Europa vai redefinir o seu mapa político. No Brasil a classe dos aristocratas rurais, alguns barões não querem mais volta a posição de colônia de novo. Correu ma noticia de que não devemos mais voltar. A diplomacia na Europa acha que devemos perder Portugal, abrir mão dele para a Espanha, em troca da província do Uruguai. Isto não vai dar certo, eu quero o meu Portugal, a beira mar plantado.

A revolução liberal em Lisboa me chama. Eu tenho de voltar, ou, então, perco tudo, até mesmo o Brasil. Vou embora. Dom Pedro, este menino peralta fica aqui. Melhor do que deixar este pais na mão de algum aventureiro. Se bem que a grande aventura foi nossa.

Estou de volta a Lisboa. Na hora da partida Carlota Joaquina é quem estava mais alegre. Tirou os seus sapatos e bateu o pó da terra que ia deixar. Não queria levar nem um pingo de vestígio da terra do Brasil. Chegamos. Aqui está pior do que nos tempos dos generais de Napoleon, os ventos do liberalismo estão rugindo com força... Não sei avaliar como seria a situação hoje se eu não tivesse abandonado Portugal. A história é feita por linhas tortas... Talvez eu fosse mais respeitado ou estivesse morto, ou virando uma lenda como dom Sebastião.

Olho o cais à margem do Tejo e me recordo agora da minha fuga para o Brasil, e reflito. Não é possível, mas aconteceu..Os portugueses personagens aguerridos dos Lusíadas, que disseram cesse tudo que a musa antiga canta que outro valor mais alto se alevanta, saímos fugindo de Napoleon, entregando o Reino as favas. Não era só a minha mãe que estava louca, era toda a corte. Que foi escoltada pela Inglaterra que sabia o que queria, tanto que colocou Napoleon em Santa Helena e deu um novo destino para a Europa no jogo de xadrez da história, no qual somos hoje uma peça muita insignificante..

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Borges, o Imperador do pantanal, baixa o espírito do Príncipe Regente e resolve a parada histórica...

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